A alegria de dizer “não”

No cinema

28.12.12

“Dizer não/ tantas vezes/ até formar um sim.” O haicai de Alice Ruiz me veio à lembrança enquanto assistia a No, o filme de Pablo Larraín sobre o plebiscito que apeou do poder o ditador chileno Augusto Pinochet em 1988. No filme, um jovem publicitário (Gael García Bernal) é contratado pelas forças de oposição para criar e coordenar a campanha de TV pelo “Não” no referendo convocado pelo governo depois de muita pressão da comunidade internacional.

As chances de vitória parecem mínimas. Afinal, o plebiscito foi proposto pelo próprio regime, que mantém sob controle e censura toda a mídia do país. Contra essa poderosa máquina de desinformação, os partidários do “Não” só dispõem de quinze minutos diários em rede nacional. Como usá-los? Essa é a questão que tensiona e mobiliza os principais personagens do filme.

http://www.youtube.com/watch?v=YKAejKU95VA

Não cabe aqui descrever os percalços do protagonista, entre as ameaças do governo e a incompreensão da própria esquerda oposicionista, mas apenas assinalar que a narrativa é muito hábil em conjugar o drama pessoal e o contexto político, alternando a tensão e o humor. Não por acaso, esse thriller político com final feliz está entre os nove finalistas para uma indicação ao Oscar de filme estrangeiro e conquistou o prêmio do público na mais recente Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Há algumas opções formais relativamente ousadas que resultam muito eficazes. A principal delas é mimetizar, na própria textura do filme e no formato quase quadrado do frame, a qualidade precária da imagem de vídeo da época (anos 1980). A baixa definição, os frequentes “estouros” de luz, combinados com um bom trabalho de figurino e direção de arte, facilitam a imersão do espectador no período retratado.

Ambivalência política e estética

Mas o que há de mais interessante em No, a meu ver, é seu caráter ambivalente, tanto em termos políticos como estéticos. A ver se me explico. Há, por um lado, um aspecto bastante convencional (para não dizer conservador) no filme de Larraín, que é o de sobrepor a trajetória do herói individual às contingências da história. É como se a ditadura Pinochet tivesse sido derrotada pelo engenho e a coragem de um único homem, o publicitário René Saavedra (Bernal). A bela sequência final, pós-clímax, que obviamente não vou descrever aqui, é a comprovação desse viés romântico-individualista.

Por outro lado, é uma obra politicamente fecunda por escancarar um processo que vem se espalhando e radicalizando pelo mundo afora nas últimas décadas, a saber: o esvaziamento da discussão política, substituída pelo primado do marketing. Sai o comício, entra o show; saem as grandes questões sociais, entram os jingles e videoclipes; saem os pensadores da política, entram os marqueteiros. Uma despolitização da política, em suma.

No Brasil, em particular, essa tendência parece ter atingido o paroxismo nos últimos anos, tornando impossível diferenciar uma campanha política da outra. Um vídeo hilário parodiando as propagandas partidárias, dirigido por Pepe Mendina e intitulado Como fazer uma propaganda eleitoral, foi colocado no Youtube em outubro passado e já teve quase 1,2 milhão de acessos. Vale a pena ver, ainda que uma ou outra passagem revelem um certo preconceito contra as massas incultas.

O curta poderia ser exibido como complemento nas sessões de No. Ambos mostram a política transformada em bem de consumo e confirmam mais uma vez o surrado axioma de McLuhan: o meio é a mensagem.

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