A covardia veste azul e laranja

Cinema

17.01.13

Harmony Korine, cineasta controverso, autor de filmes esquisitos como Gummo e Julien Donkey-Boy, terminou recentemente de filmar Spring Breakers, um filme que, a julgar apenas pelo trailer, parece ser muito menos alternativo e muito mais hollywoodiano – a começar pelo elenco, com James Franco e Selena Gomez. Gente bonita, tiroteio, festas e diversão. Mas não é nada disso que transmite a maior impressão de que é um filme mainstream, e sim as cores, ou melhor, a correção digital de cores. O trailer mostra imagens banhadas em azul e laranja, criando uma estética que remete a blockbusters como Transformers e Homem de ferro.

[Veja aqui o trailer]

Como estamos falando de Harmony Korine, o uso pode ser irônico. Só vendo o filme inteiro para descobrir. Caso se trate de um uso irônico, será uma das primeiras grandes sátiras àquilo que se tornou a tendência mais nefasta no cinema contemporâneo. O site Cracked listou as modas correntes do cinema que fazem todos os filmes parecerem iguais. Em quinto lugar, está o fato de que você consegue descobrir o gênero do filme com base no filtro de cor – o terror é azulado, as ficções pós-apocalípticas são acinzentadas etc. Em quarto, está a tendência ao azul e laranja. O predomínio deste esquema de cores nos filmes atuais não é apenas impressão – o site io9 já expôs provas científicas. Como único exemplo visual oferecido neste texto, aqui está uma imagem pinçada de forma aleatória do filme Transformers: a vingança dos derrotados.

 

(Não ficou claro? Veja o trailer)

A primeira explicação que vi para este fenômeno foi no blog Into the Abyss. De acordo com o blogueiro, os filmes têm se valido da dupla azul e laranja porque as cores estão em pólos opostos na roda de cores.

Qual o efeito prático disso? Os objetos saltam da tela, ganham um grande destaque. Um tanto como nos videogames recentes, no qual o objetivo da missão fica em uma laranja reluzente, para você nunca se perder. De certa forma, é como se os filmes hollywoodianos não se restringissem a entregar toda a trama da forma mais mastigada para o espectador. Agora, querem conduzir o espectador pela mão até mesmo na parte visual. Ao fazer objetos se destacarem, direciona da forma mais covarde o olhar, dizendo aos gritos para onde o espectador deve focar a sua visão. Uma estratégia publicitária, quiçá.

A demência é tão grande que o azul e laranja contaminaram até os pôsteres dos filmes. Veja dois exemplos recentes:

 

O site Cracked oferece a seguinte explicação para o fenômeno: “preguiça”. Como não trabalho com cinema, não sei o que leva uma produtora a colorir digitalmente um filme em azul e laranja. Enquanto cinéfilo, no entanto, desenvolvi um legítimo asco a esta combinação de cor. Toda década tem a sua moda – basta lembrar dos anos 80, época na qual os filmes de terror sempre apresentavam uma fumaça azulada. Mas a combinação de azul e laranja, pela maneira descarada com a qual direciona o olhar, me parece muito mais nociva.

Quando um cineasta opta por esta estética, está assinando embaixo de uma longa lista de nomes, está se afiliando a uma moda que domina por completo o visual do filme. Está, em resumo, rejeitando o que é mais caro ao cinema autoral – a marca pessoal e inimitável. Cinema autoral pode ser um termo démodé, esquecido, mas os melhores cineastas em atividade hoje – inclusive no cinema hollywoodiano – continuam criando filmes nos quais reconhecemos quem é o diretor apenas observando um par de planos (citando duas preferências pessoais dentro de Hollywood: Michael Mann e Peter Jackson). A opção pelo azul e laranja é um atestado de covardia, uma afiliação que exige o apagamento da própria individualidade e a adesão cega ao que há de pior na cultura de massa.

* Antônio Xerxenesky é redator do site do IMS.

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