A ridícula ascensão do “Gangnam Style”

Música

21.09.12

A esta altura do campeonato, você já deve ter sido atropelado por um vídeo em que um coreano de smoking azul dança como se estivesse cavalgando um cavalo dentro um estábulo – os cavalos do lugar apenas olham enquanto ele pula de pernas arqueadas e gira a mão acima da cabeça como se estivesse prestes a jogar um laço invisível. O protagonista não é um galã, muito menos jovem – mas sobra-lhe carisma, mesmo que nonsense. A música é dessas dance music mais genéricas possíveis, aquele conceito de “as dez mais da Jovem Pan” em que batidas eletrônicas são turbinadas como se tomassem anabolizantes, ficando largas e desproporcionais ao seu tamanho original. Como aquele carro que vara a madrugada com sua antissirene de graves e subgraves, passa no gás como um trio elétrico a cem por hora para sumir no horizonte. Por cima da base, o vocalista rapeia em coreano num refrão que culmina com a frase “Oppa Gangnam Style”, repetida várias vezes. Se você tentou visualizar, pode ter certeza que não imaginou algo tão bizarro quanto isso – tente assistir até o fim.

http://www.youtube.com/watch?v=9bZkp7q19f0

Musicalmente, “Gangnam Style” é o equivalente sônico do cruzamento de Michael Bay (o diretor de Transformers) com John Woo (o cineasta oriental conhecido pelos filmes ágeis, barulhentos e cafonas). Mas ela não é só uma música: ao ilustrar a canção com um clipe completamente absurdista, seu autor, o cantor, compositor e produtor Parker Jae-Sang – que apresenta-se artisticamente como PSY -,explora as fronteiras do nonsense, que já vêm sido alargadas na última década graças aos extremos facilmente clicáveis da internet. E foi justamente na internet que “Gangnam Style” conseguiu cruzar uma barreira até então intransponível: a chegada do K-pop, o pop coreano, aos Estados Unidos.

K-pop é o primo coreano do J-pop, a dance music típica do Japão. Mas ao contrário do parente mais velho, que celebra valores e ícones japoneses, o pop coreano é mais próximo do pop norte-americano. E, mesmo com astros que poderiam acontecer no Ocidente, nenhum deles chegou perto do impacto fulminante que aconteceu após a aparição do clipe de “Gangnam Style”, que, depois de cair nas graças dos EUA – principalmente após a benção de artistas de hip hop – já ultrapassou a casa dos 200 milhões de visualizações no YouTube.

O número é mais impressionante ainda se lembrarmos que não faz nem um mês que a febre do clipe de PSY chegou aos EUA e que o décimo vídeo mais assistido no YouTube (um clipe do rapper Eminem) tem pouco mais de 300 milhões de visualizações. Não é exagero imaginarmos que, até o final do ano ele já será um dos dez vídeos mais assistidos no site – no mínimo.

Mas tudo isso seria apenas meros capítulos na história de uma dance music genérica que se espalha pelo mundo caso “Gangnam Style” fosse somente mais um clipe superproduzido de uma música que celebra juventude e dinheiro. Não é o caso. O hit de PSY – que já está em seu sexto disco e tem 34 anos – é uma crítica jocosa ao estilo de vida do bairro de Gangnam, uma espécie de Manhattan ou Beverly Hills de Seul, com seus habitantes milionários e ostensividade materialista. No clipe, PSY ridiculariza-se como um aspirante a esse estilo de vida, se colocando em situações bizarras e quase sempre irônicas. As pistas estão lá desde o início do vídeo – com o cantor sentado em um parquinho infantil -, quando ele parece reduzir um estilo de vida que inclui haras, carrões e beldades a um mero playground.

E a ascensão de PSY nos EUA parece estar apenas começando. No fim de semana passado, ele fez uma participação no programa humorístico Saturday Night Live e no programa da humorista Ellen DeGeneres, no qual ensinou Britney Spears a coreografia bizarra de sua música (que resumiu com uma frase emblemática: “Dress classy and dance cheesy”). Vem sendo cortejado por produtores e empresários (o de Justin Bieber é um deles), o que nos leva a crer que o ouviremos bastante até o final do ano, pelo menos. Se os EUA vão querer conhecer o resto do K-pop e apresentá-lo ao resto do mundo é outra história. Mas que “Gangnam Style” já é um dos principais acontecimentos de 2012, isso não resta dúvida. E pensar que ironizávamos os maias quando eles cogitaram que o mundo acabaria este ano…

* Alexandre Matias é dono do site Trabalho Sujo e editor do Link Estadão, caderno de cultura digital e tecnologia do jornal O Estado de S. Paulo

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