Amanhã será maior

Miscelânea

20.05.14


Manifestantes tentam invadir o Palácio do Governo de São Paulo, em 2013

Junho, longa-metragem produzido pela TV Folha durante as manifestações de 2013, pretende recontar os acontecimentos daquele mês atípico na história recente do país por um viés cronológico e jornalístico. Dirigido por João Wainer, o filme é baseado na cobertura realizada pela editoria e que recebeu o Prêmio Esso de ‘Melhor contribuição ao telejornalismo’ no ano passado. O filme estreia no dia 5 de junho nos Espaços Itaú de Cinema em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, Brasília, Florianópolis e Santos. No mesmo dia da estreia nos cinemas, ele será disponibilizado via iTunes para mais de 80 países.

O documentário se organiza como uma linha do tempo dos protestos feita em torno de narradores que participaram dos eventos. Temos Giuliana Vallone – repórter da casa que teve o olho atingido por uma bala de borracha em um dos dias mais violentos – ; Nina Capello, uma das porta-vozes do Movimento Passe Livre; Bruno Torturra, idealizador da Mídia Ninja; e Elena Judensnaider, jovem socióloga que faz o papel de ‘manifestante comum’, sem ligações políticas claras. Cada um desses entrevistados relata o que viu nas ruas e as mudanças ocorridas nas manifestações ao longo dos dias, desde os conflitos com a polícia até a chegada de alas da extrema-direita com pautas que destoavam daquelas trazidas por quem estava na rua há mais tempo.

Em torno dessa estrutura básica de narração e apresentação dos eventos ficam as análises e opiniões dos colunistas do jornal Vladimir Safatle e Demétrio Magnoli, representando visões de esquerda e direita, respectivamente, e de analistas como Marcos Nobre, Gilberto Dimenstein, Sergio Adorno, Juca Kfouri, T. J. Clark, Boris Fausto, Contardo Calligaris e Luiz Eduardo Soares. O filme aborda temas espinhosos para o jornal, como o editorial da Folha que exigia que a Avenida Paulista fosse retomada e que pode ter contribuído para a escalada de violência policial durante as manifestações seguintes.

A decisão de fazer um filme sobre os eventos surgiu ainda em junho, e as últimas entrevistas foram gravadas em agosto, o que significa que as falas dos personagens refletem o calor dos acontecimentos. ‘Tentei fazer algo que correspondesse ao que eu mesmo vi nas ruas, queria que cada dia de manifestação funcionasse como um capítulo, pois cada um deles tem características e pautas diferentes’, conta Wainer.

Para ele, o longa é um documento histórico e um material de análise para os próximos passos dos movimentos sociais no Brasil: ‘O que acontecer em junho de 2014 durante a Copa pode resignificar tudo o que entendemos sobre junho de 2013’, diz o diretor. Daí a decisão de lançar o filme apenas oito dias antes da abertura da Copa: ‘O timing é uma coisa fundamental neste documentário. É um filme sobre um momento histórico lançado em outro momento histórico que está diretamente atrelado a ele. Ver este filme em setembro já não tem a mesma graça’, afirma Wainer.

Sem dinheiro público, Junho foi produzido e montado dentro da redação da Folha de S.Paulo. ‘Fora a mixagem, fizemos tudo, incluindo o que não sabíamos, como tratamento de cor para longa-metragem. Quando precisamos identificar as pessoas que apareciam nas gravações e pedir autorização de uso de imagem, não tive dúvidas, fui até a sala do programa de trainee do jornal pedir ajuda aos dezesseis meninos que estavam lá’, conta Wainer.

A trilha sonora de Junho inclui a música tema Vai ser assim, canção inédita de Criolo composta sobre as manifestações; Queda livre, inédita de Tulipa Ruiz; e uma faixa incidental de Ernesto Nazareth na sequência que finaliza o longa (e que pode emocionar até quem não colocou nem um lençolzinho branco na janela em sinal de simpatia pela turba de manifestantes).

Wainer confessa que a possibilidade de produzir documentários dentro da redação do jornal já era sua ambição desde que assumiu a edição da TV Folha, em 2011. ‘O cinema ainda é a primeira divisão do audiovisual, por mais que a TV esteja se fortalecendo por conta das séries e que novos formatos como Netflix e iTunes estejam se firmando. Confesso que sempre tive vontade de jogar na primeira divisão, nem que fosse um amistoso, nem que fosse para ser lanterninha. Não ter conseguido estrear o Pixo [documentário feito por Wainer em 2010] no cinema era uma frustração minha’, conta.

A repórter Giuliana Vallone em cena do filme Junho

Entre as críticas que podem ser feitas a Junho está certa exploração da imagem da jornalista baleada – algo que desde a cobertura televisiva já parecia ser apresentado quase como um trunfo jornalístico pela edição do programa – e o fato de que a direção adere bastante à versão dos entrevistados, com imagens confirmando o que é dito por eles, nunca contestando (só no caso de policiais).

Uma decisão de roteiro que não buscou ser muito elucidativa na contagem dos fatos pode fazer com que o filme soe confuso diante de audiências que não acompanharam as manifestações de perto. Episódios como a mudança de pergunta na enquete do apresentador José Luiz Datena e o pronunciamento da presidente Dilma, por exemplo, são jogados como em uma conversa entre pares que sabem bem o que esses acontecimentos significaram. Isso pode reduzir a importância do documentário como material explicativo do que aconteceu naquele mês para quem pegar o bonde andando daqui a cinco ou dez anos. Embora o lançamento internacional via iTunes e a proximidade da Copa possam atrair a audiência estrangeira, é improvável que gringos que não acompanham nosso noticiário consigam entender muito mais do que as pessoas estavam revoltadas e a polícia batia bastante.

Mas o filme tem um mérito que consegue eclipsar esses problemas: ele não cai na tentação de amarrar a história, de fechar um núcleo de sentido para ficar bonito na tela. Ao sair do cinema, o público consegue perceber que aquele mês concentrou uma efervescência popular incomum no Brasil, especialmente em São Paulo, mas a confusão de pautas e propósitos não é sanada por truques de roteiro e edição, e a única conclusão possível é a de que ‘amanhã será maior’, assim como diziam os manifestantes ao fim de cada ato.

Assista ao trailer de Junho:

Juliana Cunha é redatora do IMS.

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