Kleber Mendonça Filho

Kleber Mendonça Filho

Cinema como experiência

Cinema

25.01.17

Numa época em que se pode assistir a qualquer filme em qualquer plataforma, dos smartphones cada vez mais espertos aos televisores de muitíssimas polegadas instalados no conforto doméstico, o desafio de programar uma sala de cinema ganha contornos mais complicados. É o que lembra diariamente o diretor Kleber Mendonça Filho, desde dezembro de 2016 coordenador de cinema do Instituto Moreira Salles, que resume sua responsabilidade em poucas linhas: “O que devemos defender é a própria experiência de se ver um filme numa sala de cinema. E isso defendemos com programação, qualidade técnica e respeito ao espectador”.

A receita parece simples, mas não é. Conquistar e manter o público exige, por exemplo, um cardápio variado, composto por filmes recém-lançados, obras clássicas, mostras especiais e ainda novidades fora do circuito tradicional, pescadas em festivais ao redor do mundo. A tarefa se torna ainda mais desafiadora, lembra Kleber, diante da chegada do novo Instituto Moreira Salles, que será inaugurado em julho, em São Paulo, em plena Avenida Paulista, com um cinema de 150 lugares. “Aquela região tem as melhores e mais diversificadas salas de cinema da cidade. É muita concorrência, mas é algo bom, porque faz com que você nunca esteja relaxado, nunca se acomode”. No Rio, a Sala José Carlos Avellar – homenagem ao crítico que antecedeu Kleber no cargo, e que morreu em março de 2016 – tem 113 lugares.

Sem querer antecipar muito o que vem por aí, porque “parte do trabalho é surpreender”, o diretor do premiado filme Aquarius observa que as salas do IMS vão continuar a manter o olho no mundo, exibindo o que qualquer bom cinema em Sidney, Paris ou Londres esteja exibindo, agregando também planos que destaquem “sua própria personalidade”. Nesse sentido, ter diferentes formatos de exibição também é fundamental, diz ele. “O mundo do cinema virou digital, já está feito. É importante ter o digital, mas também o 35mm, o analógico, algo que as salas comerciais, em termos gerais, não oferecem. Então espaços como os do IMS têm o dever de mantê-los vivos. A programação será sempre essa mescla, uma mistura de formatos que fazem o que o audiovisual é hoje”, conta o pernambucano, que trouxe para o instituto sua vasta e bem-sucedida experiência acumulada em 18 anos (entre 1998 e 2016) à frente do cinema da Fundação Joaquim Nabuco, vinculada ao Ministério da Educação, sediada em Recife.

Na capital pernambucana, com um cenário cultural menor que o de Rio e São Paulo, mas também forte, ele se orgulha de ter formado um público bastante exigente a partir de um cinema ligado a um órgão federal, com ingressos mais baixos que o mercado e “som e imagem muito superiores” aos que as salas comerciais ofereciam. “O clichê no Brasil é que o serviço público oferece tudo de ruim, se é público não precisa ser bom. E a lógica foi exatamente a oposta com o cinema da Fundação. Era bom quebrar a expectativa”, lembra Kleber.

Mesmo que ofereçam altíssima qualidade de programação e equipamentos, entretanto, as salas de cinema estão hoje numa “encruzilhada”, afirma o diretor, por causa do papel avassalador que o Netflix, serviço de assinatura de filmes e seriados, está tomando na vida das pessoas. “É uma mudança de hábito mesmo, e no mundo inteiro, não apenas no Brasil. A versão mais branda é dizer que eles não respeitam a sala de cinema. A mais radical é dizer que eles querem acabar com ela”, critica. Embora lembre que esta é uma versão atualizada de uma discussão antiga – a chegada da TV acabaria com o cinema, nos anos 1950; depois o inimigo virou o videocassete, nos anos 1980; e a TV a cabo posteriormente – Kleber acredita que a ameaça desta vez é mais concreta.

“O que mantém um filme vivo é que ele faz sua estreia no cinema num dia e só poderá ser visto em outros meios daqui a dois ou três meses. Durante esse tempo, você verá essa produção apenas no cinema. O Netflix quer acabar com essa janela, querem que um filme estreie nas salas e no Netflix no mesmo dia. Acham que vai estar tudo certo, que cada um verá onde quiser, mas discordo completamente”. Daí, sustenta Kleber, a defesa intransigente da experiência de se ver um filme no cinema, e da melhor forma possível. “Você não pode se deslocar da sua casa e descobrir que o som do filme está abafado, ou a imagem escura. Isso é básico, mas a maior parte das salas comerciais não parece saber disso”.

Cena de O ornitólogo, de João Pedro Rodrigues

Outro objetivo do diretor é manter a aproximação entre quem faz cinema e quem consome cinema. Um encontro prolífico que ele propiciou de várias formas, em debates e mostras, durante seu trabalho na Fundação Joaquim Nabuco, onde o cinema passou a exercer o papel de catalisador cultural em Recife. É um caminho que ele continuará a seguir no IMS. “Aqui o Avellar sempre estimulou isso também. Quando você promove uma intimidade entre o público e o cinema através do realizador, de pessoas que trabalham ou estudam a área, é bom para todo mundo”, observa.

Na programação diversificada haverá também espaço para o curta-metragem, que Kleber lembra ser a porta de entrada para muitos jovens realizadores no cinema. Mais uma vez, o diretor reforça a importância das salas para a valorização dos encontros. “O papel de uma sala no sentido de aglutinar experiências e troca de informação sempre foi muito importante para mim. E isso serve para todo tipo de cinema, como mostras, clássicos, produção nova local ou de fora”.

Um dos exemplos dessa busca por novos diálogos será a realização de uma mostra com a obra do diretor português João Pedro Rodrigues. Seu filme mais recente, O ornitólogo, estreou em 2016 no Festival Internacional de Locarno, na Suíça, e chegará aos cinemas brasileiros no final de março, início de abril. “Rodrigues é um realizador moderno, jovem, respeitado internacionalmente, e que tem mais de dez filmes feitos entre curtas, médias e longas. Estamos combinando de casar o lançamento de O ornitólogo com a exibição de algumas outras obras. E ele virá ao Brasil, será um pequeno festival com a presença dele”, conta Kleber.

As múltiplas viagens do diretor do igualmente premiado O som ao redor (2013) pelos festivais de cinema mundo afora também ajudam na tarefa de garimpar boas novidades. “E às vezes basta uma conversa numa fila, num jantar, para conhecer e trocar ideias. Isso é uma das coisas mais bonitas de se trabalhar com cinema”, atesta ele, que no momento ainda viaja com Aquarius pelos festivais, e também trabalha em um novo roteiro original, com Juliano Dornelles. O projeto, intitulado Bacurau, terá como cenário o sertão de Pernambuco. “É meu primeiro filme meio diferente, que não se passa na cidade. É um pouco futurista, se passa daqui a alguns anos”.

 

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