De Jesus a Nietzsche, só os desajustados fizeram história – quatro perguntas a Edgardo Cozarinsky

Quatro perguntas

16.05.12

Edgardo Cozarinsky é um cineasta e escritor argentino nascido em 1939. Recentemente, Cozarinsky colaborou com um ensaio na abertura do livro Crisálidas, organizado por Jorge Schwartz, que será lançado pelo IMS no dia 21 de maio. O livro compila fotos de Madalena Schwartz de atores, atrizes, travestis e transformistas do underground paulistano. No texto, o escritor argentino propõe uma análise mitológica da obra da fotógrafa a partir do conceito de quimera, da origem do termo “crisálidas”, e das reflexões de Freud e Heráclito. Entrevistamos o cineasta acerca dos impressionantes retratos tirados por Madalena.

1) O que você acha que há de mais único e especial nas imagens de Madalena Schwartz?

O respeito pelos modelos, a alegria que transmite, o mistério que desvela. Mas confesso que não consigo esgotar com palavras o que há de mais específico e inapreensível em uma obra plástica.

2) Você acha que, ao tirar fotos de transexuais, Madalena está fazendo uma declaração política?

Não sei, mas não acho que é algo proposital, mas sim um prolongamento tácito de sua atitude. O artista criador faz política, assim como faz teoria, com seu trabalho. Aos outros resta a tarefa de explicitar esse prolongamento.

3) O que você acha da escolha de fotografias em preto e branco para retratar um movimento que é geralmente associado ao uso de muitas cores?

Acho que é a grande audácia de Madalena Schwartz. Estamos anestesiados pela banalização da imagem pela publicidade, pela televisão, pelo jornalismo. E essa imagem é sempre colorida. O preto e branco, por conta própria, passou a denotar uma busca pela expressão, uma marca de estilo. Nos muitos matizes do preto e branco jaz a semente de todas as cores, mas deixa a imaginação para o espectador, se é que este quer imaginar as cores, pois pode se deleitar com a pura ausência destas. O preto e branco também denota outra realidade: paralela, escondida, misteriosa.

4) Em seu ensaio que está incluso no livro Crisálidas, você faz uma análise mitológica das pessoas retratadas. Não obstante, muitos transformistas lutam para serem considerados normais, iguais a outros seres humanos. Você acha que há algum risco em pensar nos transformistas como seres “especiais”?

Acredito no direito à diferença. Que todos gozem dos mesmos direitos não significa que devam ser iguais. Pessoalmente, só me interesso por pessoas que são especiais, seja lá por qual razão. Há uma ideia de normalidade normativa que nos E.U.A. resultou no uso da palavra “desajustado” como algo negativo. De Jesus a Nietzsche, só os desajustados fizeram história.

* Na imagem que ilustra a home desse post: Edgardo Cozarinsky (foto de Christiana Carvalho)

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