Diário (transatlântico) de um folião

serrote

01.03.11

 

Sexta, 25 de fevereiro

Paris. É o último dia de um período curto e intenso daquilo que, se eu fosse italiano, sociólogo e Domenico De Masi, chamaria de ócio criativo. Fui até a uma aula no Collège de France para dar verniz à minha vagabundagem, quer dizer, flânerie. Hora de vir embora, compromisso sério no dia seguinte: o desfile do Simpatia É Quase Amor.

Como se sabe, por pouco escapei de ser curador para virar personagem da exposição “Até quarta-feira!” – é que as coleções do IMS só registram carnavais até os anos 1950. E hoje amanheci com um refrão na cabeça, o de um dos 26 carnavais do Simpatia – dos quais só faltei a três.  E com ele fui para o aeroporto.

Feliz como um Pato Rebolão – depois eu explico a tal da fantasia a que o Aldir Blanc me apresentou – fiz check-in e, poucos minutos depois, recebo a notícia aterradora: voo cancelado. Conta rápida: no novo horário, chegaria no Galeão às 18h, quando o Simpatia já estaria avançadíssimo na Vieira Souto. Uma perua (brasileira) gritava em francês castiço “Je vê alê à ma mezon!” enquanto eu, trêmulo, fiz a confissão à atendente: tinha uma festa de família, coisa grande, era impossível faltar. Que me botassem no voo para São Paulo.

Depois de quase duas horas de negociação, embarco, felicíssimo, no tal do voo para São Paulo. E as malas? Bem, raciocinei, não vou precisar de agasalho e livro no Simpatia. E me desapeguei nietzschianamente de todas as minhas coisas.

Sábado, 26 de fevereiro

Sete da manhã. Feliz chegada a São Paulo. As malas? Babau, claro. Ganhei um papelucho para reclamá-las e, em seu lugar, saí com uma nécessaire cheia de badulaques debaixo do braço. Feliz como um tupinambá cheio de miçangas e espelhos, continuei de bom humor até saber que o voo em que esperava embarcar não me incluía. E era a conta para chegar na hora do desfile – na verdade para uma tradicional concentração no Bar Lagoa que é parte do desfile.

Começa a peregrinação por Guarulhos. Tirei o cinto três vezes, tive a bolsa escaneada e revirada. De bom selvagem estava virando um líbio enfurecido: sem malas, com um calor insuportável,  me vi numa serpenteante fila para descobrir que meu nome também não estava no voo da outra companhia. Comecei a falar mais alto, premido pelo horário e pela perspectiva de faltar pela quarta vez ao desfile. Acharam a reserva: escala no Rio de um voo para João Pessoa. Lotadíssimo.

Mais espera, mais atraso, avião velho, pernas esmagadas, ar condicionado deprimente. Descubro que, graças ao nosso querido alcaide, que vigia severamente a ordem e o bom funcionamento da cidade, o horário do Simpatia havia sido antecipado. E eu tinha menos tempo.

Galeão, finalmente. Um bloco de jovens advogados (carnaval vale tudo mesmo) atrapalhou um pouco minha chegada em casa. Banho correndo, camisa do bloco, na cabeça um adereço que não conto (só saberá quem me encontrar). Rumo ao bar. Onde não tem ninguém. Estão todos atrasados.

Domingo, 27 de fevereiro

Suvaco do Cristo de manhã cedo. Sol a pino e nehum sinal de jet lag (que, descobri, não pega no carnaval). No telefone, a Air France me diz que entregará as malas, sim, a qualquer hora do dia. Não posso, explico. Tenho compromisso. Sério.  Breve altercação. Mas, pensei, naquele domingo não precisaria de agasalho e livros. Desfile, almoço interminável, praia, festa de aniversário de noite. Lá pela meia-noite, uma certa preocupação: e se as malas não chegarem?

Segunda, 28 de fevereiro

Neca de malas.  Mando e-mail para um colega de infortúnio, que estava a meu lado no voo. As dele chegaram. As minhas, não. Ninguém atende na Air France. Vai ver estão de ressaca, passaram o fim de semana nos blocos. Continuo sem precisar de agasalho. Mas os livros e todas as minhas outras roupas começam a fazer falta. Plantão em casa. No meio da tarde,  adentram a passarela elas, as malas, meio cacarecadas mas inteiras. Já tive minha quarta-feira de cinzas antecipada. Que venha o carnaval!

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