Facetas de Fellini – quatro perguntas a José Carlos Avellar

Quatro perguntas

15.03.12

O crítico e ensaísta José Carlos Avellar, autor de livros como O chão da palavra: cinema e literatura no Brasil (Rocco, 2007) e A ponte clandestina – teorias de cinema na América Latina (Editora 34, 1995), é um dos debatedores que discutirá a obra de Federico Fellini na mostra que ocorre no cinema do IMS-RJ, de 10 a 31 de março. Avellar respondeu a quatro perguntas do Blog do IMS acerca dos filmes do cineasta italiano.

O filme que você debaterá no dia 16 de março, As noites de Cabíria, representa o lado mais realista do cineasta italiano, uma faceta que não está presente em obras posteriores como Cidade das mulheres e 8 e ½. Que outras características você destacaria em As noites de Cabíria?

Pretendo apens sublinhar dois pontos que permitem uma nova visão desse filme, que não me parece tão realista assim, pelo menos não tanto como os do neorrealismo inciado no imediato pós-guerra (e do qual ele participou diretamente, como um dos colaboradores do roteiro de Roma cidade aberta do Rosselini, entre outros). Primeiro, a transposição de uma personagem que passara pela história de seu primeiro filme, Abismo de um sonho. Nesse primeiro trabalho que ele dirigiu sozinho já podemos ver Cabíria e sua intérprete, Giulietta Masina. Segundo ponto, e mais importante, para colaborar no roteiro de As noites de Cabíria, Fellini chamou um jovem – mas já polêmico – escritor que acabara de publicar um romance sobre o universo que ele queria descrever em seu filme, Ragazzi di Vita (na tradução brasileira, editada pela Brasiliense, Meninos de vida): Pier Paolo Pasolini. Ele colaborou não apenas na redação do roteiro, mas também esteve presente à filmagem de várias cenas e daí, como declarou mais tarde, do contato com o caos criativo da filmagem, dediciu trocar a literatura pelo cinema. Adiante, Fellini iria partcipar da produção do primeiro fime de Pasolini, Accatone, e voltar a chamá-lo para colaborar no roteiro de A doce vida.

Em entrevista a Peter Bogdanovich, Orson Welles afirma que Fellini é um garoto de cidadezinha pequena que sonha com Roma, e que a força de A doce vida está justamente na “inocência provinciana”. Você concorda com Welles?

Não conheço a entrevista de Welles a Bogdanovich, mas, a julgar pelo que você menciona, na pergunta ele mais ou menos repete o que Pasolini disse do episódio de Rogopag – “A ricota” – por meio de um personagem interpretado por Welles (“Fellini? Ele dança… ele dança”) e num texto em que diz que A doce vida estava sendo analisado como um filme como qualquer outro,  quando se tratava de um acontecimento cultural fundamental da vida italiana. No texto, ele se refere à inocência dos personagens do filme (diz que mesmo os momentos trágicos parecem alegres e festivos). Mas Pasolini diz isso não como uma observação pejorativa, e sim como uma reafirmação dos valores do filme. Para ele,  a força do filme está nisso que poderíamos chamar de sua inocência provinciana: para ele, Fellini conseguia, com absoluta sinceridade, e como nenhum outro cineasta de seu tempo, liberar a criança que existia dentro dele.

Que filmes de Fellini você recomendaria para a nova geração de espectadores que ainda não é familiarizada com a obra do diretor?

Aqueles que consguiram maior notoriedade na época de seu lançamento, A estrada da vida, A doce vida, Oito e meio, Amarcord, Roma, e o episódio As tentações do doutor Antônio, talvez ainda sejam os melhores pontos de entrada no universo de Fellini.

Há alguma obra de Fellini que você considera que recebeu menos destaque do que deveria?

Talvez um de seus primeiros filmes, Os boas vidas, e dois projetos pequenos, feitos para a televisão, que tocam em dois importantes referentes de ceu cinema: Ensaio de orquestra, pequena ficção voltada para o milagre da criação musical, coletiva, numa orquestra. E Os palhaços, voltado para o mundo do circo, uma base do modelo de interpretação de seus filmes. Não fosse diretor de cinema, disse uma vez, se não tivesse sido levado para o cinema por Rosselini, teria sido um diretor de circo.

* Na imagem da home que ilustra esse post: o crítico José Carlos Avellar (imagem divulgação)


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