Fala besteirinha!

Correspondência

22.12.11

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Meu querido Dapieve:

Você teve uma bela ideia: na última carta, falar da iniciação sexual. Acho que todos temos duas iniciações importantes: o primeiro contato com alguma coisa que internamente reconhecemos como trazendo uma emoção diferente de tudo experimentado até aquele momento. A segunda iniciação é o ato sexual propriamente dito, ou melhor, praticado. Minha primeira, no sentido que descrevi, foi muito precoce, dando inteira razão a Freud sobre a malícia das crianças. Despi, no quarto de brincar que ficava nos fundos da casa-paraíso de Vila Isabel, a filha de uma empregada, mais ou menos da mesma idade que eu, uns 7 anos. É claro que a coisa ficou só em olhares fascinados e leves toques. Ela era negra. Dessa amena tarde de verão, marcou-me, como direi?, acentuada queda pela cor, que leva minha mulher a exercer dupla vigilância quando me deparo, em qualquer situação, com uma fêmea orgulho da raça. Dou a mão à palmatória. A cara-metade está coberta de razão. Possuo uma verdadeira coleção de entradas e bandeiras que já entraram para o folclore familiar. Quando são recontadas para filhas e netos em datas festivas, a hilaridade um tanto exacerbada me faz tirar pudicamente o time para o escritório, com o pretexto de uma orelha com o prazo estourado…

Quanto ao ato, foi hilariante, para dizer o mínimo. Voltava eu, ainda em uniforme do glorioso Externato São José, para casa, na rua Maia de Lacerda, coração do Estácio, quando fui brindado com uma piscada de olho, um sorriso matreiro, e um beijinho atirado direto em meus baixos instintos por uma moça muito cobiçada da área, uns 15 anos mais velha. Quase caí na sarjeta – dessa vez, não atirado por maconheiros que adoravam aterrorizar estudantes do pedaço. Cerca de 23 horas, eu já na caminha, tocou o telefone. Meu pai, sempre austero, atendeu e me chamou:

– Pra você. Mulher.

Ele estava mais assustado, posso garantir, do que eu. Aí rolou aquele papo: joguei um beijim pra você hoje, e tal, a gente podia sair etc.

Eu não tinha a menor experiência nessas jogadas e, no dia seguinte, pedi socorro ao primo peste com quem moraria mais tarde, o mesmo que me levou aos primeiros ensaios do Salgueiro, minha amada escola, lá em cima do morro, na extinta e lindíssima Quadra Calça-Larga. Se eu tinha atração pelo mulatório, você pode imaginar como esses ensaios me desgastaram… Aproveito para esclarecer o seguinte, faz tempo não tenho nenhum apreço pelo carnaval, uma “festa” chatíssima, prostituída, sequestrada por malas. Em meu coração moram o Salgueiro, o Simpatia, as lembranças do Bafo e, como diria Nelson Rodrigues, é só.

Voltando à iniciação. Meu primo ainda não tinha carteira de motorista, e sugeriu:

– Vou combinar com o Pachequinho. Você conhece o cara, grande figura. Ele tem uma Aero Willys rosa, as garotas adoram. Mas tem que falar com seu cacho pra arranjar mais duas.

Foi tranquilo. Na noite marcada, rumamos para a Praia do Pepino, um nome a calhar. Eu saí do carro com a moça e fui até a areia. A primazia coube por direito ao dono do veículo. Depois, meu primo, que afinal agenciara o encontro. Na praia, rolava um ventinho. Galantemente, tirei a camisa e envolvi com ela os ombros de minha dama. Comecei a tremer. Ela me fez um carinho no cabelo:

– Gracinha! Tá parecendo um avestruz no Polo Norte!

Dapieve, posso lhe garantir que é muito difícil obter uma ereção após tamanho elogio.

Daí em diante, meu amigo, foi puro circo. Eu já tinha a altura de hoje, 1,87, um varapau de 50 kg. Não cabia na posição papai-e-mamãe, atravessado no banco de trás do carro. Minhas canelas saíam pela janela traseira, o que dificultava o engate. Eu não tinha malandragem para sugerir kamasutrices mais adequadas. Após denodado esforço, conseguimos a conjunção carnal, eu parecendo um contorcionista. Foi quando se deu o momento fatídico: langorosa, percebendo que estava iniciando um garoto (talvez gostasse disso), a sensual criatura pediu, enquanto eu arfava sobre ela:

– Fala besteirinha!

Fiquei apavorado, engoli em seco e permaneci em silêncio. Novo pedido. Sei lá de onde me veio a inacreditável frase:

– Tenho muita vara pra te dar!

– Isso! Isso! Mais! Fala mais!

Infelizmente, minha inspiração havia se esgotado. Não me ocorreu nenhuma outra asneira excitante, e o ato consumou-se no momento em que, pelos meus modestos cálculos, repeti pela tricentésima octogésima nona vez, como um robô defeituoso:

– Tenho muita vara pra te dar!

Talvez nessa noite eu tenha aprendido para o resto da vida a seguinte lição: a vara não pode faltar, tudo bem, mas um pouco de imaginação é fundamental.

Abraço fraterno. Foi uma honra.

Aldir.

* Na imagem da home que ilustra este post: detalhe da tela Vênus e Cupido, do italiano Alessandro Allori (1535-1607)

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