Forma breve – quatro perguntas a Ricardo Piglia

Quatro perguntas

17.08.11

Considerado o maior escritor de sua geração, o argentino Ricardo Piglia, de 70 anos, manteve em paralelo à sua obra, que inclui romances, contos, crítica literária e ensaios, uma profícua carreira acadêmica. Como professor da Universidade de Buenos Aires desde o fim dos anos 70 e, entre 1997 e 2010, da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, Piglia lecionou literatura latino-americana e publicou dezenas de ensaios que analisam as obras dos maiores autores do continente.

Autor de romances como Respiração artificial, importante relato sobre o período em que a Argentina viveu sob regime ditatorial, e Formas breves, o escritor lançou este ano Alvo noturno, livro em que retoma o personagem Emilio Renzi, ícone de seu trabalho. Piglia visitará o Brasil entre os dias 26 e 28 deste mês, quando fará palestra no Rio de Janeiro e em São Paulo. Ele respondeu a quatro perguntas do blog do ims. Veja abaixo.

Como foi retomar o personagem Emilio Renzi, considerado icônico em sua obra, 13 anos depois do último romance, agora em Alvo noturno?

Bem, eu me dei conta de que Renzi não envelhece; nos romances, nos enredos, nos ensaios. Onde quer que ele apareça, ele tem sempre 30 anos de idade. Imagino que seja o meu alter ego perfeito: sempre jovem! Mas no meu próximo romance devo mostrá-lo com 60 anos de idade. Curiosamente – salvo exceções como em Rei Lear, de Shakespeare – todos os heróis da ficção são jovens. E os meus preferidos, Stephen Dedalus, Quentin Compson, Natasha Filippona, Horacio Oliveira, têm uma atração eterna pela juventude.

Em que medida a experiência como professor de literatura na Universidade de Princeton contribuiu no processo de criação do senhor?

Eu comecei a ensinar literatura faz muitos anos, na época em que comecei a publicar os meus primeiros contos; primeiro na Universidade de Buenos Aires e logo após como convidado de Princeton. Para mim, sempre foi uma experiência extraordinária. Juntar-se uma ou duas vezes por semana a um grupo de estudantes e falar de literatura é algo muito enriquecedor para um escritor. Nunca promovi oficinas ou workshops, sempre dei cursos acadêmicos sobre a base teórica, digamos assim, de como o autor lê a sua obra. “Como lê quem escreve ficção?” Esse é o ponto de partida do meu trabalho. Sempre me interessei mais pela experiência do escritor como professor. Borges claro, mas também Valéry, Nabokov, Michel Butor, Saer. Nos escritores por quem me interesso há sempre uma matriz didática. É daí que nasce a vanguarda.

Nos últimos três anos, os livros do escritor chileno Roberto Bolaño experimentaram um boom no mercado norte-americano. 2666 chegou a ser eleito o livro do ano. Como o senhor, que tem uma posição privilegiada (latino-americano, morando nos Estados Unidos e ensinando literatura) analisa esse fenômeno?

Bolaño é um grande escritor, mas nunca sabemos ao certo por que certos livros ou certos autores são mais reconhecidos que outros. O mais importante no caso de Bolaño nos Estados Unidos é que ele quebrou a imagem estereotipada do escritor latino-americano. Ele é um autor muito literário, seus personagens são habitualmente escritores, poetas e críticos literários. Ao mesmo tempo, seus romances têm muita energia, há um ar de geração beat nos seus livros e na sua figura que podem explicar um pouco o sucesso alcançado.

A América Latina vive um período de grandes transformações políticas, sociais e econômicas. Alvo noturno é também um retrato da luta do continente para se firmar nesses aspectos. Agora, de volta à Argentina, depois de mais de dez anos vivendo nos Estados Unidos, o senhor se sente obrigado se engajar nesse processo de mudança ou esse papel não é preponderante para um intelectual?

Estamos vivendo sim um momento privilegiado. Pela primeira vez estamos construindo políticas comuns, com decisões próprias, independentes dos ditames dos países centrais, em especial dos Estados Unidos. A democracia se fortaleceu e houve um triunfo de propostas progressistas na maioria dos países da região; a discussão política é aberta e inclui temas – como os direitos humanos, o papel dos meios de comunicação, a distribuição de riqueza, a dívida externa, a função do Estado – que antes estavam restritos a pequenos grupos de intelectuais. Esse marco na política da América Latina não é uma obrigação, é um espaço aberto e apaixonante em uma época muito vibrante e dinâmica.

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