Heroísmo indie – quatro perguntas para Joca Reiners Terron

Quatro perguntas

28.09.11

Radicado em São Paulo desde 1995, o escritor Joca Reiners Terron, que nasceu em Cuiabá (MT), é expoente de uma cena literária que se revelou no fim dos anos 1990. Ilustrador e editor, Joca criou nessa época uma pequena editora, a Ciência do Acidente, que foi responsável pela publicação de autores pouco conhecidos do grande público mas de grande importância para a literatura brasileira como Manoel Carlos Karam e Valêncio Xavier, oriundos do final dos anos 1970.

Não há nada lá, seu primeiro romance, é fruto desse período. O livro será relançado esta semana pelo selo Má Companhia, da editora Companhia das Letras, revisado, corrigido e com uma elogiosa apresentação do escritor espanhol Enrique Vila-Matas. Joca, que também é autor de Eletroencelafrodrama, Hotel Hell e Do fundo do poço se vê a Lua, falou ao blog do ims sobre voltar ao texto de uma década atrás e a da experiência marcante como editor.

 

Antes de ser relançado, Não há nada lá foi revisado e corrigido. Já o tinha feito antes ou não releu o livro desde que lançou? Por quê?
Já havia relido um trecho ou outro, mas fazia muito tempo que não tocava no livro. O processo de redação de um romance exige muitas leituras, e num determinado ponto o texto adquire certo grau de opacidade difícil de ser sobrepujado pelo autor. Naturalmente, perde-se o interesse. Como se passaram dez anos da publicação, agora pude relê-lo como se outra pessoa o tivesse escrito. De certo modo foi mesmo outra pessoa.

Como foi ter de fazer, digamos, reparos ao próprio texto dez anos depois de escrito?
Foi mais simples justamente pelo fato de o livro ter sido escrito por outra pessoa, um cara de 30 anos cujo nome é idêntico ao meu, mas que tinha interesses e preocupações distintas. Ele até escrevia melhor do que escrevo agora, acho, e quando digo “melhor” quero dizer que havia certa queda pela frase de talhe mais literário que procuro evitar agora.

Em 2002, escrevendo sobre o romance, o escritor Cristovão Tezza enxergou em Não há nada lá a “literatura como objeto principal do texto, a tendência a fundir prosa e poesia e o apagamento do sujeito psicológico”. Na sua opinião, em que estilo literário ou dentro de qual grupos de autores o livro pode ser localizado?
Comecei a escrever o romance em 1998, porém os fragmentos que narram o encontro entre Rimbaud e Billy The Kid remontam aos meus 15 anos de idade, quando escrevi um conto que era para ser uma HQ com o mesmo assunto e que nunca desenhei. Esses trechos deram origem ao romance, que corresponde estilisticamente a um exercício de supressão da voz autoral que é substituída pela fala dos autores-personagens, como Tezza indica. Também existe um parentesco metaliterário do Não há nada lá com o trabalho de Enrique Vila-Matas e Roberto Bolaño, autores que só fui ler depois, no começo de 2004, e que me deixou muito surpreso. Contudo, a apresentação de Vila-Matas revela o que me influenciou na época: as Vidas imaginárias, de Marcel Schwob, e também Sonhos de sonhos, de Antonio Tabucchi. Borges também começou copiando Schwob em seu História universal da infâmia, mas talvez muito literalmente.

O livro também é fruto de sua iniciativa como editor, na Ciência do Acidente. Qual foi a experiência mais marcante desse período, editando autores como Marçal Aquino e Manoel Carlos Karam?
O livro foi lançado simultaneamente com o Faroestes, do Marçal, e nós dois empreendemos uma miniturnê por São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba. Lembro de muitas bebedeiras em hotéis, de brigas e discussões literárias sem fim e de outras coisas que é melhor nem lembrar. Foi uma época muito divertida, e que deixou o cenário literário brasileiro – muito incipiente dez anos atrás – mais parecido com o que é atualmente. Alguns autores que publiquei na Ciência do Acidente como Karam, Valêncio Xavier e Otávio Ramos já faleceram. Sinto saudades daquele heroísmo indie e da ingenuidade perdida.

* Na imagem da home que ilustra este post: Joca Reiners Terron (imagem de divulgação da Companhia das Letras)

 

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