Homenagem a Luiz Paulo Horta

Música

14.08.13

Na manhã do dia 3 de agosto, bem cedinho, Luiz Paulo Horta se foi, deixando imensa lacuna e muitas saudades em todo o meio musical carioca. Hoje, dia 14, ele completaria 70 anos. Como singela homenagem, vão aqui alguns depoimentos de pessoas que o conheceram bem de perto.

Luiz Paulo Horta

Último sábado de junho, véspera da final da Copa das Confederações, um dia de típico inverno no Rio, sem frio nem calor. No portão da agradável casa de vila de Botafogo, Luiz Paulo Horta sorri, dando tchau, enquanto manobro o carro, carregando dois moleques exaustos de tanto brincar. Volto para casa leve e feliz após o reencontro com o meu antigo companheiro da redação do Globo, mestre de tantas horas, pai de uma amiga muito querida. Foi uma noite especial: enquanto meus filhos brincavam com os netos dele, falamos sobre música, jornalismo e ABL, tudo regado a breves dedilhares dele ao piano. O grande entusiasmo era a passagem do Concertgebouw de Amsterdã pelo Rio naquela semana. Uma alegria de menino, feliz, relembrando (e tocando) a Quinta Sinfonia de Tchaikovsky.

Depois dos oito anos que passei em São Paulo, era a primeira vez que conversávamos com calma. O mesmo ser doce que me acolheu como repórter de música clássica, ao assumir o posto de crítico oficial no Globo depois da morte de Antonio Hernandez, em 1997, estava lá me dando novas aulas com a mesma simplicidade de sempre. Foram quase duas décadas de convivência, embaladas por muitos encontros no Teatro Municipal, Sala Cecília Meireles, trocas na redação, projeto Calandra (curso de aperfeiçoamento que ele coordenou durante anos no Globo e do qual fiz parte em 2004), festas de Santo Antônio na famosa casa da dona Walkyria (mãe de Cecília, sua primeira mulher) em Botafogo, dicas sobre o Cordão do Boitatá nos primórdios do bloco de carnaval comandado por seu filho Kiko e até mesmo festinhas de criança em São Paulo. Que honra e que sorte ter feito parte dessa história.

Adriana Pavlova

 

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Terei saudade do meu querido amigo e colega Luiz Paulo Horta por conta de sua gentileza e do amor fraterno que dedicava à classe musical. Juntos cozinhávamos e tocávamos música, pois ele adorava tocar piano. Chegamos a tocar o Cisne juntos em público para angariar fundos e ajudar as vítimas das enchentes na Região Serrana. Ele me apresentou a algumas das melhores cachaças, e eu estava ansioso para me encontrar com ele nesta semana e debater assuntos culturais. Eu adorava sua companhia sempre interessante e inteligente, espirituosa. Obrigado, Luiz, por ter sido meu amigo.

David Chew

 

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Tive o privilégio de conviver cerca de meio século com Luiz Paulo Horta. Grande estudioso de todos os campos da cultura e da vida, o convívio com ele era sempre enriquecedor, tanto falando sobre assuntos sérios como jogando conversa fora entre dois copos de vinho. Sua sabedoria era feita mais de dúvidas do que de certezas, mais de perguntas do que de respostas. Por isso sempre manteve a humildade dos sábios, não obstante a firmeza de suas convicções.

Edino Krieger

 

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Conheci Luiz Paulo quando ainda solteiro, em casa de sua futura sogra. Estive em vários eventos familiares, mas o que mais me comove é o fato de não mais vê-lo entrar de mansinho no Teatro Municipal e de procurar suas crônicas no Globo. Quantas vezes “trocávamos figurinhas” nos intervalos dos concertos e, algumas vezes, sentava-se ao meu lado e sussurrávamos nossas opiniões. Foi-se o bom amigo.

Eliane Sampaio

 

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Comecei minha breve carreira de repórter em 1995, no jornal O Fluminense, de Niterói, na editoria de polícia. Já se vão 18 anos, mas lembro até hoje do comentário que minha mãe fez na época: “Vou contar para o Luiz Paulo Horta. Ele também começou a carreira como repórter policial”. Pouco tempo depois, tive a oportunidade de ser seu colega de redação no Globo, onde ele me recebeu como a um velho conhecido (o que não deixava de ser verdade, já que ele praticamente nos viu nascer, eu e meus irmãos).

Também lembro muito bem da vinda do compositor Stockhausen ao Brasil em 1988, capitaneada por ele e por minha mãe, quando trabalhavam na coordenadoria de música do Museu de Arte Moderna do Rio. Lembro da presença do Luiz Paulo nas Bienais de Música Brasileira Contemporânea, de ouvidos sempre abertos aos novos caminhos sonoros (ainda que às vezes um tanto estridentes…). Tenho para mim que a maior paixão dele, talvez até mais do que a religião e o jornalismo, era mesmo a música. Não por coincidência, seus três filhos foram batizados em homenagem a personalidades musicais: Kiko chama-se José Maurício, nome de nosso padre compositor; Ana Magdalena teve seu nome inspirado pelo da segunda esposa de Bach, Anna Magdalena; e Ana Clara, pelo da mulher de Schumann, Clara.

Mas a maior lembrança que eu guardo do Luiz Paulo é quando ele ia lá em casa tomar vinho com meus pais e ficava um tempão conversando com minha avó materna, que tinha quase 30 anos a mais do que ele. Vovó abria sempre um sorrisão quando recebia a visita do “seu” Luiz Paulo, como ela o chamava. Ficavam lá, no tetê-à-tête, quase amigos de infância, rindo de sabe-se lá que segredos. Tenho a impressão de que não conversavam nem sobre religião, nem sobre música, tampouco sobre jornalismo. Eram provavelmente assuntos próprios dos mestres, dos sábios, daqueles que, quando partem, vão com a consciência do dever cumprido, sabedores de que fizeram diferença para aqueles que passaram por suas vidas.

Fernando Krieger

 

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Nossa amizade foi-se tecendo com as linhas de nossos filhos, caminhos que se cruzaram pelas mãos do afeto e da música.

Aulas de tambor com o Caboclinho, batizados de bumba-meu-boi, tambor de criola, rodas de samba e forró e quanto mais no quintal de sua casa, Festas de Santo Antônio e dos Reis Magos na família Barreto, e quase sempre, a uma certa hora da noite, um pequeno grupo se formava em volta dele, que de mansinho afagava o piano, enquanto um repertório bem variado ia se descortinando.

Pisada leve, sorriso amável, olhar doce, assim o vi pela última vez há poucos dias, entrando na sua vila, e assim ele aparece em meu pensamento, cheio dos presentes que trocou com a vida nesses quase setenta anos.

Ignez Perdigão

 

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Primos, sim, mas principalmente amigos – Luiz Paulo foi uma luz-guia na minha vida e exemplo, como para tantos outros, de que é possível um caminho de tolerância, respeito, amor & bom humor. Ao mesmo tempo, era de uma profundidade rara. Talvez seja essa combinação a mais singular: leveza, aceitação do outro e ideias sólidas. Ele ensinava sem parecer superior, ouvia e dividia opiniões, acolhia mesmo quando a gente fugia do modelo que o guiava.

Permanente fonte de consulta e de apoio, fazia com que todo mundo se sentisse considerado. Achava mais importante explicar do que julgar. Era um jornalista da raça superior, com profunda curiosidade e conhecimentos enciclopédicos de história e política.

Estamos tristes, tristes. Mas, como ele cita do Eclesiastes em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, Para tudo há um tempo, para cada coisa há um momento debaixo dos céus: tempo para nascer e tempo para morrer. Para nós, é tempo de chorar a falta que ele fará nas vidas de todos. E, daqui a pouco, tentar colocar em prática ao menos alguma lição de carinho pela humanidade, que ele jamais deixou de ter.

Luciana Medeiros

 

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De Luiz Paulo, guardo antes de tudo a imagem do humanista completo, ao mesmo tempo dotado de uma rara capacidade de ouvir “o outro”.

Versado em áreas muito diversas, que dominava em profundidade e integrava harmoniosamente – o oficio do jornalista, do pensador religioso, do músico engajado -, sabia comunicá-las com simplicidade, tendo o dom de torná-las compreensíveis e acessíveis sem perda de conteúdo.

Na música, impossível não registrar seu notável livro sobre Villa-Lobos por ocasião do centenário do compositor, o extenso registro em DVD (em conjunto com Edino e Nenem Krieger) da visita de Stockhausen ao Brasil e a preciosa crônica da vida musical brasileira, ao longo das três décadas em que manteve acesa, no Rio, a chama de uma crítica musical construtiva, aberta e atenta às novas tendências.

Manoel Corrêa do Lago

 

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70 anos. Todo o meio musical, religioso, jornalístico, literário convidado. A festa organizada, pensada nos mínimos detalhes, começaria com uma missa na PUC, seguida de uma recepção. Os dois braços seriam pouco para as centenas de abraços. E os ombros aguentariam bem tantos tapinhas e afagos. E os beijos estalados da família, das senhoras, senhoritas, deixariam rosadas as bochechas do aniversariante. Na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, depois da visita do Papa Francisco, era o assunto do momento. Com que roupa eu vou? Será que o fardão ficará demais? Não, é melhor um terno, bem cortado, colarinho engomado. A ocasião pede. Vou com meu longo ou um midi? Será que um terninho é apropriado? Joia nem pensar, a não ser uma bem discreta, no máximo um bijuteria fina, não é uma festa de perua, é uma festa quase sarau, como os realizados na casa do agora setentão. Risos, tantos risos quanto possíveis numa festa em que o protagonista era nada menos que o jornalista, musicólogo, escritor, teólogo, duplamente acadêmico Luiz Paulo Horta; o risonho amigo de todas as horas.

Dias antes, fez-se o silêncio. Tudo emudeceu. As lágrimas tomaram o lugar do riso. O protagonista desistiu da própria festa e nos deixou órfãos. Para onde ele foi? Qual a verdade que ele está conhecendo? Qual mistério está desvendando?

Onde você esteja, Luiz Paulo Horta: feliz aniversário, e um brinde de muito obrigada por ter tido o privilégio de ser sua amiga e colaboradora.

Nenem Krieger

 

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Carta ao Luiz Paulo

Que saudades,
dos olhos sempre sorrindo, afáveis,
dos comentários carinhosos e inteligentes,
da cortesia, delicadeza, cavalheirismo,
do apoio às nossas aventuras musicais,
do carinho, acolhimento e generosidade,
da brilhante e lúcida reflexão.

Você é o padrinho que se foi,
levou consigo uma parte de cada um,
Deixou-nos órfãos da sua amizade,
Do seu encantamento pelo mundo,
Do qual você era também um criador.

Foi para um mundo melhor,
que conhecia mais do que qualquer um,
em dia morno de sol
e de céu transparente de inverno.
Que saudades.


Rosana Lanzelotte

 

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Luiz Paulo Horta era seis meses mais novo do que eu, e nossos caminhos se cruzaram inúmeras vezes. Nossa caminhada mais longa foi na defesa do Museu Villa-Lobos, quando durante 24 anos ele, Jayme Villa-Lobos e Luiz Paulo Sampaio fizeram parte da diretoria da Associação de Amigos do Museu Villa-Lobos. Amigo inesquecível e leal, com enorme cultura emoldurada por muita simplicidade e permanente bom humor. Vai deixar muitas saudades.

Turibio Santos

 

 

 


* Bia Paes Leme é coordenadora de música do IMS.

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