Homens de preto, homem de branco: excesso e essência

No cinema

28.05.12

No cinema cabe de tudo – ou deveria caber. Isso fica evidente quando cotejamos dois filmes que acabam de entrar em cartaz no país: Homens de preto 3 (Barry Sonnenfeld, 2012) e Essential killing (Jerzy Skolimowski, 2010). Não poderia haver duas obras mais contrastantes. Por motivos diferentes, ambas merecem ser vistas.

MIB 3, que faz parte de uma das franquias mais bem-sucedidas de Hollywood, representa uma certa estética do excesso típica de nossa época. Efeitos, diálogos, piadas, personagens, acontecimentos, referências, tudo salta sobre o espectador (e em 3D o verbo não é descabido) numa profusão atordoante. Já no filme do polonês Skolimowski predomina uma economia dramática e narrativa quase minimalista: trata-se de mostrar um homem, um guerrilheiro talibã fugitivo (Vincent Gallo), em luta pela sobrevivência num continente hostil e desconhecido.

Combinação de fórmulas

O sucesso de Homens de preto não é casual, nem tampouco o mero resultado de uma massacrante campanha de mídia. Os filmes da série articulam de modo esperto (e criativo, vamos admitir) várias tradições que já passaram pelo teste da popularidade. Uma delas é a do buddy movie, em que dois parceiros (geralmente uma dupla de policiais, mas não sempre) vivem comicamente às turras do início ao fim, no fundo para disfarçar que se amam. Em geral um é carrancudo e o outro é expansivo, um é jovem e o outro é veterano e, nas últimas décadas, um é branco e o outro é negro.

Pense em Eddie Murphy e Nick Nolte em 48 horas, ou em Mel Gibson e Danny Glover em Máquina mortífera, só para ficar em dois casos evidentes. A “novidade” em Homens de preto é a autoconsciência irônica com relação ao gênero. Vejamos um exemplo singelo. Já se tornou um clichê, nos buddy movies policiais, o parceiro veterano dizer, a certa altura: “I’m too old for this shit“. Em Homens de preto 3 é o agente mais novo (Will Smith), que diz a frase ao mais velho (Tommy Lee Jones), acrescentando em seguida: “Imagine você, então”.

A essa tradição somam-se a da ficção científica juvenil com seus extraterrestres bizarros e a do terror gore – igualmente adolescente – das gosmas, vísceras e mortos-vivos. Tudo isso temperado por uma sátira sagaz da cultura de massas contemporânea e sustentado numa dupla de atores carismáticos e complementares, o esfuziante Smith e o empedernido Jones.

Viagem no tempo e esgotamento

Neste terceiro da série, os realizadores recorreram a outra ideia já testada com sucesso: a viagem no tempo, que dá ensejo ao comentário cômico e mordaz sobre determinada época e sua cultura. No caso, o final dos anos 60, com seu psicodelismo, sua arte pop, sua contracultura, seus atritos raciais. As piadas com Andy Warhol, Mick Jagger e os astronautas da Apolo 11 são impagáveis.

Mas, apesar da eficácia e vitalidade do filme, esse recurso à viagem temporal, esse “retorno às origens”, talvez seja um sinal de esgotamento. Algo análogo ocorreu, por exemplo, com Jornada nas estrelas. O quarto longa da série, o divertido A volta para casa (Leonard Nimoy, 1986), em que a tripulação da Enterprise volta à Califórnia dos anos 80, parece ter exaurido as possibilidades narrativas da saga. Indiana Jones 3, que voltava à juventude do herói (encarnado por River Phoenix), marcou também um beco sem saída. O quarto episódio foi uma flagrante forçação de barra.

Dado o sucesso de bilheteria, é provável que venham outros Homens de preto, mas ou muito me engano ou dificilmente eles escaparão da redundância, do automatismo e da frouxidão.

Como todo mundo já está cansado de ver o trailer, cabe esta curiosa versão dublada em italiano:

Rigor e autoexigência

Essential killing é um filme único em todos os sentidos. Não haverá um segundo, muito menos uma série de TV. É o olhar muito pessoal de um diretor rigoroso e autoexigente (a ponto de ter ficado 17 anos sem filmar) lançado à epopeia de um homem só, em choque com as forças da natureza e da história.

Skolimowski, autor também dos extraordinários Sinais de identificação: nenhum (1964), Barreira (1966) e Quatro noites com Anna (2008), mostra o destino de seu personagem em imagens límpidas e cruas, sem comentar, sem tomar partido, sem apelar para o sentimentalismo ou a catarse. A certa altura, o fugitivo, sedento e faminto, avista numa beira de estrada uma mulher amamentando um bebê. Ele não hesita: tira a criança do colo da mãe e põe-se a mamar no seu seio. É um imagem bela e perturbadora, que certamente ficará gravada na memória do espectador por muito mais tempo que a aparatosa pirotecnia de Homens de preto.

Aqui, um trecho do filme que explora o terreno movediço entre humanidade e selvageria, razão e loucura:

Faltou mencionar uma diferença fundamental entre os dois filmes: Homens de preto está em cartaz em centenas de salas pelo país afora, em versões dubladas e legendadas, em três ou duas dimensões. Já Essential killing passa num único horário num único cinema de São Paulo (o Olido). Isso diz muito, acredito, sobre a pobreza de espírito de nossos tempos.

* Na imagem que ilustra a home desse post: Tommy Lee Jones e Will Smith em Homens de preto 3.

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