Otto Stupakoff/Acervo IMS

Leonard Cohen em 2016

Divulgação

Leonard Cohen em 2016

Leonard Cohen em estado de graça

Música

11.11.16

Antes de se tornar o celebrado cantor de voz grave e rascante, cultivada em uma receita que descrevia como “500 toneladas de uísque e milhões de cigarros”, o canadense Leonard Cohen, morto esta semana aos 82 anos, foi um jovem escritor festejado pela crítica e ignorado pelo público. Sem dinheiro, aprendeu a tocar violão para tentar se sustentar e lançou seu primeiro disco, Songs of Leonard Cohen, em dezembro de 1967. Com canções como “Suzanne”, “So Long, Marianne” e “Hey, That’s No Way To Say Goodbye”, o álbum logo o consagrou como um dos grandes compositores de sua geração.

Nesse momento de transição em sua carreira, Cohen foi retratado pelo fotógrafo Otto Stupakoff para a revista americana Harper’s Bazaar. Imagens daquela sessão, realizada em setembro de 1967, em Nova York, fazem parte de seu acervo de 16 mil negativos adquirido pelo Instituto Moreira Salles em 2008. E uma delas, a que ilustra esta página, estará na exposição Otto Stupakoff: beleza e inquietude, que ocupará o IMS de 13 de dezembro a 30 de abril de 2017, com curadoria de Sergio Burgi e Bob Wolfenson.

O retrato de Stupakoff mostra Cohen aos 33 anos, dois meses antes da estreia em LP, com o sorriso confiante e o ar sedutor que costumava exibir nos saraus literários em Montreal, sua cidade natal. Na época, ele já havia publicado dois volumes de poesia, Let Us Compare Mythologies (1956) e The Spice-Box of Earth (1961), e os romances Beautiful Losers (1966) e The Favourite Game (1963) – único livro seu lançado no Brasil, como A Brincadeira Favorita.

Leonard Cohen em setembro de 1967Otto Stupakoff/Acervo IMS

Leonard Cohen em setembro de 1967

Essa confiança está registrada no documentário Senhoras e Senhores… Mr. Leonard Cohen, de 1965, que acompanha a vida literária do jovem escritor em Montreal. Na época, ele vivia em uma casinha na ilha grega de Hydra com sua musa Marianne, mas voltava ao Canadá pelo menos uma vez por ano para visitar os amigos e participar de eventos literários. Nos recitais, Cohen hipnotiza o público com seus versos e conta piadas com o timing e a desenvoltura de um comediante experiente.

A conexão de Cohen com o público é destacada na breve entrevista na Harper’s que acompanha a foto de Stupakoff (outro registro da mesma sessão no café nova-iorquino, estampado em uma página inteira). “Ele encapsula as preocupações e talvez a alma de sua geração”, lê-se no texto, que anuncia em poucas linhas o lançamento de seu primeiro LP, com “letras e músicas assombrosas”. Descrito como “o principal jovem poeta canadense”, Cohen diz mudar de personalidade a cada par de semanas: “Não sou uma pessoa. Eu me sinto uma tribo inteira”.

No documentário, Cohen dá mais pistas sobre quais seriam essas “preocupações” – as suas e as de gerações de fãs. Em uma entrevista para a TV, pressionado a explicitar suas posições políticas, ele desvia com ironia: “Quando acordo de manhã, minha verdadeira preocupação é descobrir se estou em estado de graça”. Se não estiver, diz Cohen, prefere voltar para a cama. Diante da insistência do jornalista, Cohen sorri e oferece uma definição que atravessa toda sua obra, marcada pela comunhão entre o sagrado e o profano, entre os desejos do corpo e as aspirações da alma. “Estado de graça é um equilíbrio em que se pode escrever sobre o caos ao seu redor”, diz. “Não é uma questão de resolver o caos, porque seria arrogante querer colocar o mundo em ordem”.

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