Literatura, sexo e crime num filme francês

No cinema

04.07.14

Godard disse certa vez que, para fazer um bom filme, basta uma arma e uma mulher bonita. Em O amor é um crime perfeito, dos irmãos Arnaud e Jean-Marie Larrieu, estão presentes a arma e a mulher bonita (aliás, mais de uma). Talvez não seja propriamente um bom filme, mas é no mínimo interessante como atualização do trinômio literatura/erotismo/crime que caracteriza uma prolífica vertente do cinema francês.

Baseado em romance de Philippe Djian (o mesmo de Betty Blue), O amor é um crime perfeito é ambientado ao pé dos Alpes e tem como protagonista Marc (Mathieu Amalric), um professor universitário de escrita criativa que vive às voltas com alunas apaixonadas. Ele mora num chalé com a irmã Marianne (Karin Viard), com quem mantém uma relação amorosamente ambígua.

A questão central da trama é o desaparecimento de uma das estudantes com quem Marc teve uma aventura erótica. Ele é procurado pela madrasta da garota (Maïwenn), com quem, é claro, acaba se envolvendo também.

Luminosidade fria

Mais do que a luminosidade fria da paisagem e dos ambientes, realçada pela arquitetura futurista e transparente da universidade onde Marc leciona, o que há de curioso e estimulante no filme é o fato paradoxal de que a narrativa não se descola em nenhum momento do protagonista, mas mesmo assim nos deixa em dúvida sobre o que ele de fato fez ou deixou de fazer. Há zonas de sombra e desmemória, introduzindo a opacidade, a dúvida, o mistério, num mundo em que tudo parecia translúcido.

Em suas aulas, Marc fala do universo noturno e onírico dos surrealistas, da “escrita automática” ditada pelo inconsciente, do “amor louco” que subverte todas as regras de decoro e conduta. O próprio Marc é sonâmbulo e, de quando em quando, confunde as esferas do sonho e da vigília.

Absurdo e patologia

De certa forma, essa “explicação” (o sonambulismo) para tudo o que há de incongruente e obscuro empobrece o filme, mutila sua dimensão de fantasia, reduz o absurdo do desejo a uma patologia. Melhor seria, talvez, ver o protagonista como alguém que se dirige febrilmente para o abismo por não abrir mão de suas pulsões mais profundas.

Mas isso equivale a esperar outro filme, pedir pêras ao olmo. Se os irmãos Larrieu (os mesmos da comédia Pintar ou fazer amor) se detiveram no meio do caminho, só nos resta parar junto com eles e apreciar a paisagem (belíssima, por sinal). E constatar que Mathieu Amalric é um ator sutil que sempre valoriza os filmes de que participa.

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