Mad Max, Duro de Matar e outros filmaços

Correspondência

04.03.11

Oi André, tudo bom?

O filme da Síndrome do Surfe no Havaí que tu menciona seria Point Break, também conhecido como Caçadores de Emoção, com Patrick Swayze (que falta faz) e Keanu Reeves? Gostaria apenas de registrar que é um dos maiores filmes já feitos. Gary Busey está mítico no papel de Angelo Pappas.

Não se fazem mais filmes de ação como antigamente, hein. Acho que a última coisa válida mesmo foi a trilogia do Senhor dos Anéis, e Matrix, claro, cujas enxurradas de clones formam, junto com os filmes de super-heróis de quadrinhos, os três braços do grande rio dos filmes de ação medíocres e sem alma da última década (Eu quase gosto de alguns filmes do Tony Scott, todavia. Quase.) Caçadores de Emoção é um dos últimos exemplares de uma tradição quase extinta da qual fazem parte Predador, Duro de Matar, Aliens – O Resgate, Mad Max 2. Só filmão. Hoje em dia, ou pesam demais no verniz cerebral, como no Inception, que é um meta-filme de ação onde esqueceram de deixar a graça, ou fazem uns mashups de clichês preguiçosos e ineficazes.

Consigo pensar em duas exceções recentes: uma é o Apocalypto do Mel Gibson, que considero o melhor filme de ação da década passada. (Entendendo filme de ação como esse gênero explosivo e colorido e sem qualquer pretensão de seriedade, o que exclui quase tudo do Ridley Scott; o genial Miami Vice do Michael Mann, por exemplo, certamente superior a Mel Gibson´s Apocalypto, não pode ser considerado um filme de ação desses clássicos que tô falando, é um policial serião com atmosfera de sofrimento moral e metafísico etc, subgênero ao qual a cara de Guri Chorão do Colin Farrell se presta maravilhosamente bem? mas divago.) Lembro bem da emoção de ver esse filme no cinema, Meu Deus, até que enfim, um filme de ação de verdade.

Outra exceção são os filmes do Neil Marshall, que de alguma forma consegue realizar filmes-homenagem eficazes, com alguma alma, impactantes pelo exagero e pelas referências desavergonhadas. Viu Abismo do Medo, aquele onde cinco minas tortas de gostosas ficam presas numa caverna? É brilhante. Primeiro pelo terror claustrofóbico da primeira metade, segundo pela erupção repentina de sangue, vísceras e ossos quebrados, e, por fim, pela sequência final que é uma versão ultra-gore dos embates da Tenente Ripley com o Alien, e das heroínas duronas tipo Sarah Connor em geral. Aquele treco funciona. Ele fez também o ótimo Doomsday (Juízo Final), que é basicamente uma colcha de retalhos de filmes de ação do John Carpenter e umas pitadas de Mad Max pra dar aquele brilho. Se não viu, veja.

E eu não suspeitava desse teu belo histórico com o pingue-pongue. Gostaria de te ver jogar um dia. Acho que posso imaginar bem isso que tu chama de “argamassa afetiva” pingueponguística formando complexas e exuberantes estruturas em salões de jogos, bares, gramados de casas de praia. Foi um pouco o que a bicicleta representou pra mim durante certo período. Uma vez tentei o Pogobol também, mas a onda não pegou.

Larguei por uns tempos a natação e a musculação. Foi só eu falar na importância existencial da atividade física para me dar conta de que precisava fazer esse sacrifício por uns tempos. Ando um pouco sobrecarregado com a tradução do Mitchell, outros frilas ocasionais e, sobretudo, esse livro que estou tentando escrever e parece que nunca terminará. Desde fim de 2009, quando comecei, tenho a mesma sensação de estar ali pelos 20% do caminho. O texto vai se acumulando e sempre parece que faltam 80%. E aí eu fico semanas sem escrever e fico ansioso e quero parar de fazer todas as outras coisas e desaparecer, o que passa em seguida, porém se repete logo adiante etc.

Mas tomei uma atitude. Chega de carro sem airbag, como diria Schünemann. Faz duas semanas que tô acordando às 7h30 pra trabalhar e tenho parado só à noite. Tá funcionando, folgo em informar. Dei adeus temporário à piscina, à academia e à “vida social”, embora continue correndo e esteja praticando em abundância a chamada “vida secreta”, que não convém compartilhar em detalhes porque deixa de ser secreta e perde a razão de ser, mas inclui excursões sem objetivo por locais-chave do Bom Fim e almoços quase diários num restaurantezinho de bairro aqui perto onde semanas atrás fiquei obcecado por uma estudante de medicina que jamais tinha aparecido lá e nunca mais voltou, e à qual, por meios que não vêm ao caso, mandei entregar um bilhete imbecil que foi devidamente entregue, apurei, e que todavia jamais será respondido, como eu já sabia, sem sombra de dúvida, no instante mesmo em que o escrevi. Esse tipo de coisa. Acho que tu vai me entender.

Um dos motivos de eu ter voltado a Porto Alegre, em vez de São Paulo, foi esse. Por mais que eu adore São Paulo, é uma cidade que parece não permitir que uma pessoa se sinta bem quando isolada, mesmo que seja um isolamento estratégico e temporário. Porto Alegre permite um pouco mais. Em parte é a oferta desnorteante de coisas maravilhosas para fazer, ver e comer em São Paulo, somada àquele éter cósmico de gente interessante e dinheiro que se torna um catalisador de ambições, que faz o sujeito se sentir um pouco culpado de ficar em casa com o celular desligado cortando advérbios de um texto que ninguém pediu pra ele fazer. Em parte, é psicológico mesmo. Porto Alegre também é uma cidade com uma oferta grande de distrações que valem a pena, mas por alguma razão acho mais fácil  abdicar temporariamente de certas coisas aqui.

E enfim, é a minha cidade, por mais que eu a deixe.

E essa nova edição do Ulisses traduzida pelo Galindo, hein? Tá parecendo bem crocante. Quando sai? Preciso ler o Ulysses antes. Deu de palhaçada, ninguém mais é criança aqui.

Forte abraço,

D. Galera

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