Para se perder na terra devastada

serrote

13.06.11

Enquanto “intelectuais antenados” matam o tempo ocioso discutindo “o futuro do livro”  ou lamentando “o fim de uma era” (todas as aspas necessárias), a turma que prefere conjugar verbos no presente criou a primeira maravilha literária na era do iPad. “The Waste Land” é uma edição digital, em forma de aplicativo, do poema de T.S. Eliot. Até aí nada ou quase, pois há muito carrego no bolso inutilidades fundamentais como as obras completas de Shakespeare e toda A Divina Comédia para iPhone. Mas o brinquedo disponível na AppStore por US$ 13,99 (coisa de 20 e poucos reais) é coisa de adulto, produzida pela Faber & Faber, a casa de Eliot em muitos sentidos, que desde sempre publica sua obra e onde ele trabalhou como editor.

“The Waste Land”, o aplicativo, é resultado do desenvolvimento de uma linguagem própria para o tablet. Assim como nos primórdios da internet, quando textos de, por exemplo,  um jornal eram simplesmente colados na rede, a primeira era dos aplicativos é o reino do control-C + control-V, com a formatação de textos para serem simplesmente lidos nestas viciantes bugigangas. Mas era de se esperar mais, muito mais, de um bichinho que pode unir texto, imagem e som em alta qualidade. É este o ponto de partida da Touch Press, empresa que é parceira da Faber no aplicativo.

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Tudo se constrói em torno da versão integral do poema, que pode ser lida sem qualquer intervenção. Dois links oferecem complementos que ficam bem em qualquer edição de papel: a versão fac-similar dos originais, emendada por Ezra Pound,  e uma galeria de fotos que de diversas formas aludem a Eliot, ao poema e sua época – há até duas imagens de Bob Dylan, que, como mundo e meio na literatura anglo-saxã, se inspirou em algum momento no texto de 1922. O iPad facilita ainda o que, num livro, seria aborrecidíssimo: expõe, ao lado dos versos, copiosas notas de contextualização que podem ser exibidas à vontade do freguês.

A brincadeira começa a ficar boa com a seção “Perspectivas”. Ativada com a tela do iPad na horizontal, ela concentra vídeos em que o Nobel Seamus Heaney, a ensaísta Jeanette Winterson e o roqueiro Frank Turner, entre outros, interpretam livremente diversos aspectos do poema e da obra de T.S. Eliot. Os vídeos são curtos, bem editados, divididos em subcapítulos e muito, muito interessantes.

A cereja do bolo é, no entanto, a versão teatralizada do poema. Num vídeo produzido na Irlanda, num cenário belíssimo e desolado como convém, Fiona Shaw interpreta o “Waste Land” com generosas – e precisas – doses de dramaticidade, reencenando a versão teatral que protagonizou em 2009 em palcos britânicos. Há duas opções: pode-se simplesmente assistir à atriz, com a tela na horizontal, e, também, acompanhá-la lendo o texto, que ilumina em sincronia cada frase pronunciada. Quando cansar (!?) de Fiona Shaw, o leitor/espectador ainda tem à disposição registros históricos do poema em áudio: duas gravações do próprio Eliot (em 1933 e 1947), sir Alec Guinness, o poeta laureado Ted Hughes e o ator Viggo Mortensen.

Lida, ouvida e folheada como manuscrito,  a obra prima de T.S. Eliot causa sérias perturbações. “April is the cruellest month”, estronda Eliot em texto e voz numa viagem só agora possível, neste tempo presente radical e precário, em que passado e futuro do livro tem, para valer, pouquíssima importância.

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