Repensar o mercado editorial – quatro perguntas a Luciana Villas-Boas

Quatro perguntas

16.04.12

A jornalista Luciana Villas-Boas declarou, no início do ano, que deixaria seu cargo de diretora editorial da Record, uma das mais importantes editoras do país, para criar uma agência literária, a Villas-Boas & Moss. A agência conta com três escritórios: um no Rio de Janeiro e os outros em Atlanta e Nova York. Villas-Boas respondeu a quatro perguntas do Blog do IMS acerca do mercado literário brasileiro, as dificuldades e impasses do período atual, e a necessidade de profissionalização do setor.

Você deixou a editora Record para abrir uma agência literária. O aumento do número de agências no Brasil pode ser interpretado como um sinal de profissionalização do mercado?

O aumento do número de agências literárias no Brasil responde a uma necessidade evidente nesse nosso mercado editorial muito competitivo, que repentinamente passou a uma fase de acelerado amadurecimento. O agente é uma necessidade real para as editoras e para os autores.

Nas editoras, o ritmo de trabalho é intenso, e torna-se muito dificil a prospecção de novos talentos ou de títulos promissores. A cada oportunidade que lhe é oferecido um título brasileiro adequado e pertinente, o público confirma seu interesse pela produção literária nacional, mas o editor não tem tempo e/ou condições de trabalho para descobrir esse livro, ou mesmo para manter em níveis ótimos a relação com o autor, na maioria das vezes bastante delicada. Nesse quadro, a intermediação do agente passa a ser muito positiva também para o editor.

Para o autor, o agente é uma necessidade não só para encontrar o editor mais ajustado possível a sua obra como para defendê-lo em uma negociação cada vez mais complicada e cheia de meandros. É raro encontrar escritores que sejam realmente excelentes negociadores da própria obra. Nem lhes cabe esse papel.

Sem dúvida, a nova figura do agente literário é sinal inequívoco da profissionalização do mercado brasileiro.

Uma de suas principais tarefas é a venda de direitos de autores brasileiros lá fora. Há um interesse em literatura brasileira contemporânea por parte dos estrangeiros, e, caso afirmativo, quais são os países mais interessados em conhecer nossa produção contemporânea? A visão que os leitores estrangeiros possuem da literatura brasileira ainda está ligada a uma espécie de exotismo exuberante?

Na Alemanha, porque o Brasil será homenageado na edição de 2013 da Feira do Livro de Frankfurt, há um interesse maior pela literatura brasileira, e cada editora sente-se no dever de ter pelo menos um título da gente para lançar na ocasião. Mas isso é circunstancial, e a homenagem na feira não afeta outros mercados. O que importa é que, tal como me confidenciou uma “scout” (profissional que prospecta originais para clientes internacionais, um em cada país) de ficção espanhola e latino-americana, o Brasil passou de repente a figurar como importante personagem nos noticiários do mundo todo, e o sentimento de que é preciso conhecer melhor esse misterioso gigante da América Latina ficou muito mais intenso. Quem é do mundo do livro sabe que a melhor maneira de se conhecer uma sociedade é por meio de sua ficção, daí que essa mesma “scout” foi incumbida por seus clientes – aliás, sempre editoras muito fortes – de prospectar, além da língua espanhola, a produção literária brasileira. Disse-me ela que não há qualquer expectativa de se descobrirem textos que confirmem uma imagem exótica do país: o que se quer, o que ela, por exemplo, busca, são livros que tenham também a dimensão histórica que nos fez quem somos.

Até há pouco tempo, as grandes multinacionais pareciam interessadas apenas no ramo de didáticos. Agora, a maior parte das editoras importantes brasileiras tem alguma forma de participação de capital estrangeiro. De que forma você acha que isso pode afetar o mundo dos livros no Brasil?

A entrada dos grandes grupos estrangeiros, capitalizando e dando maior poder de fogo às tradicionais editoras brasileiras, tem vários aspectos positivos. Um deles é, certamente, a maior profissionalização de nossos métodos de atuação. Existe uma apreensão muito grande, da qual não partilho, com respeito à possibilidade de desnacionalização da produção editorial, como se os estrangeiros viessem com olhar enviesado para nossa literatura, decididos a aumentar ainda mais a presença já desproporcional de livros de origem anglo-saxônica em nosso mercado. Na verdade, grandes editoras não têm plataformas políticas e ideológicas, nacionalistas ou anti-nacionalistas; querem ganhar dinheiro apostando nos livros com maior potencial de venda em um momento em que o mercado brasileiro é visto como mais promissor do que qualquer outro. Se os profissionais das editoras mostrarem que o público brasileiro quer saber mais de Brasil (o que livros com os de Laurentino Gomes e Miriam Leitão, ou mesmo a ficção de Edney Silvestre, demonstram fartamente), será literatura nacional. Se não conseguirem, será outra coisa, ou seja, mais do mesmo que já temos. De resto, nos meus momentos mais otimistas, penso que as editoras estrangeiras podem compor um novo grupo de pressão pela melhora do nosso sistema educacional, que é o que mais nos falta para uma nova expansão da demanda brasileira por livros e outros produtos culturais de qualidade.

Quais são as principais dificuldades que o mercado literário brasileiro precisa enfrentar?

O pai e a mãe de todas as dificuldades do mercado literário brasileiro têm a ver com o baixo nível de escolaridade de nossa sociedade. Nesse sentido, as dificuldades do mercado editorial são somente um aspecto da grande dificuldade e do grande desafio que o Brasil enfrenta atualmente. Não temos uma força de trabalho capacitada para aproveitar as oportunidades que estão surgindo na economia. Grande parte da ebulição atual da indústria editorial passa pela consciência de milhares de trabalhadores de que precisam ler mais para se habilitarem à concorrência do mercado de trabalho.

Um pouquinho de dinheiro a mais no bolso no final do mês e algumas modestas campanhas de valorização da leitura causaram todo esse rebuliço na indústria do livro. Imagine se tivéssemos um sistema de educação universal eficiente. Se, entre a população brasileira, 5% dos contemplados com uma boa rede escolar se tornassem leitores, o patamar de grandeza e profissionalização do mercado literário seria exponencialmente mais alto.
Porque a verdade é que ainda somos muito – incrivelmente – tacanhos. As tiragens médias aumentaram nos últimos anos graças a lançamentos altamente comerciais, de qualidade duvidosa, na área do infanto-juvenil e fenômenos vários como padres cantantes e gente que se comunica com almas, romances de primária natureza religiosa daqui e de lá. Mas a tiragem média da ficção literária é ainda de 2.000 exemplares, número baixíssimo para a população do país. Nos Estados Unidos, a tiragem média da boa literatura é de 15.000, isso com todo o desafio que o digital representa para eles atualmente. Temos que alcançar uma tiragem média de no mínimo 6.000, se tivermos tempo para isso, se o digital não embolar essas estatísticas antes de chegarmos lá, jogando-nos numa nova etapa tecnológica antes de amadurecermos a anterior – como sói nos acontecer.

A própria perplexidade diante do surgimento de novas agências literárias é sinal de como estamos atrasados. A toda hora, tenho que explicar o que é e faz um agente literário. As pessoas simplesmente não têm noção da função do agente.

Não estou criticando quem não sabe, muito natural não saber, tendo em vista que não se trata de uma realidade no Brasil, mas na grande maioria dos países o agente literário existe há décadas e as pessoas minimamente ligadas ao mundo do livro não têm dúvidas do seu papel. Escritores de todos os países hispano-americanos usam agentes baseados na Espanha, que se tornou um importantíssimo centro de agenciamento literário graças precisamente a esse vínculo com a produção da América Latina. Tão importante que inúmeras agências espanholas subrrepresentam direitos de editoras e agências anglo-saxônicas até para o Brasil, um país do qual desconhecem o idioma e os meandros do mercado, mas cujo vazio na área abre para elas um imenso espaço de atuação. Nos EUA e na Inglaterra, nenhum escritor sonha em ser publicado sem ter antes um agente, mas também na Itália, na Alemanha, em toda Escandinávia, até na França, o agenciamento é uma instância absolutamente consolidada da vida literária.

O mar revolto em que navega a indústria brasileira do livro nos dias de hoje sinaliza promissoramente nossa profissionalização, mas também revela nosso atraso. Vários segmentos da economia estão sendo obrigados a se ajustar com toda pressa a uma nova conjuntura econômica que pode beneficiar o desenvolvimento do país, mas nada de tão extraordinário está acontecendo, para dar um exemplo, no setor bancário, exatamente porque se trata de uma área já modernizada, já pronta para o relacionamento com o mundo desenvolvido. No mundo da literatura, temos que dar saltos enormes para nos atualizarmos, o maior deles o de formar uma sociedade de leitores a partir de uma rede escolar mais do que precária em um país de dimensão continental.

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