Ser aquilo com quem simpatizo

Literatura

27.01.12

Quando comecei a escrever poemas, fazia sobretudo pastiches de Fernando Pessoa. De um heterônimo em especial: Alberto Caeiro. Eu não queria menos que isso, ser Fernando Pessoa, que escreveu entre outras declarações de despersonalização, ou de personalização pelo outro: “eu quero ser sempre aquilo com quem eu simpatizo”. Mas é certo que a prosa, de ficção ou não, faz vibrar, mais que o verso, aquele desejo de nos tornarmos quem não somos, pois sua escrita engendra ideias, comportamentos, caracteres, destinos, uma série de pistas a convidar: quer ser como este aqui? Quando lemos poesia, quedamo-nos maravilhados pela linguagem ela mesma, pelo vazio da inexistência, pela total impessoalidade. Poemas são apenas fluxos, ritmos, sonoridades, e tudo o que não parece ser isso é apenas a inevitável permanência na linguagem – e todo poema quer ser um escape para fora dela. Já as narrativas, ficcionais ou não, são estadias em que a escrita se acomoda na linguagem e dela se aproveita como viajantes o fazem com os lugares para onde vão.

Essas anotações me vêm a propósito de um sebo na Lituânia. Parece título de conto: “Um sebo na Lituânia”. Não é. A livraria se chama Mint Vinetu. E fez a seguinte campanha: “Become someone else”. A sugestão – “torne-se alguém” – pode ser traduzida em termos pessoanos: torne-se aquilo com quem simpatiza. E, sendo um sebo, os livros são a fonte, ou o espelho, no qual podemos nos ver sendo quem, momentaneamente, desejamos ser, porque aquelas vidas de papel, de palavras e mais nada, tantas vezes parecem mais reais que tudo a nossa volta, inclusive aquilo que chamamos de: nós mesmos. Um dos grandes prazeres a que acedemos na leitura é mesmo este: ser o que não se é.

Seguem, abaixo, os pôsteres da campanha, desenvolvidos pela agência de propaganda Love Agency. É uma maravilha o esmalte verde nas unhas da leitora de Frankenstein!

 

 

 

 

 

 

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