Síndrome de aeroporto

Correspondência

28.11.11

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Grande Guru,

Parece sacanagem. Eu esculhambando nossos aeroportos, coitados, e eles… Insistindo em me dar razão, com o auxílio de nossas voadoras, que seriam mais bem chamadas de “aterrissadoras”. Na última semana não cheguei a ficar oito horas preso em Congonhas por causa de uma tempestade. Foram só duas, bem mais lights, quase cômicas.

Primeiro, o malandro-otário aqui achou que ia se dar bem, pegando um voo anterior ao que estava marcado para o seu regresso ao Rio. Bem, pegar ele pegou, mas o bicho não decolou. O papo da companhia G era que o mau tempo tinha fechado o Santos Dumont. Até aí, normal. O busílis era que, pelo sistema de som de Congonhas, os passageiros da G ficávamos sabendo que as companhias T e A continuavam embarcando e decolando rumo ao Rio de Janeiro. Parecia que o Santos Dumont fechara só para a companhia G.

Eu ainda dei sorte. Fiquei duas horas direto fora do avião. Teve voo anterior ao meu que chegou a ser embarcado, passou duas horas parado e foi despejado novamente em São Paulo. Se alguém dormiu enquanto o avião aguardava na pista, não deve ter entendido nada quando desembarcou de novo na mesma cidade. Ficamos todos, passageiros de um voo e de outro, vagando em torno do portão 12, esperando o tempo no Rio abrir. Liguei para a Patroa, e ela me disse que ouvia aviões sobrevoando as Laranjeiras Médias, como de hábito. Ou seja, o Santos Dumont estava aberto. Para alguém.

Súbita e sorrateiramente, o placar eletrônico em cima do portão 12 passou a anunciar um voo para Brasília. “Aí vem merda”, pensei. Ninguém mais pareceu notar a mudança. Então o sistema de som avisou que os passageiros do meu voo e de um voo seguinte teriam “embarque imediato”, mas no portão 1, ou seja, do outro lado do aeroporto. Avisei isso em inglês a um casal de japoneses que estava sentado ao meu lado e também ia para o Rio. Sabe aquela vergonha de que eu falei numa e-pístola pregressa? Eu tive vontade de carregar a bagagem de mão dos dois de joelhos até o portão 1 e depois cometer harakuru, humilhado pela inépcia pátria. Desisti, como você pode notar.

No portão 1, o embarque em si foi relativamente rápido. Só que nossos problemas não tinham acabado. Passamos mais uns 45 minutos – tempo suficiente para o Botafogo tomar três ou quatro gols – sentados a bordo. O gentil comandante nos avisou que aguardávamos a “documentação” chegar para enfim decolarmos. Prêmio de originalidade. Nunca tinha ouvido essa desculpa. Seja lá o que for, a “documentação” demorou. Parece que o funcionário do cartório tinha ido soltar uma barrola e deixou o contínuo da companhia G esperando sentado, folheando umas Caras velhas.

Imoral da história: para autoridades, aeroportos e “aterrissadoras”, nós passageiros do Brasil somos menos importantes que cocô de burocrata.

É por essas e por outras que eu te disse: não tenho medo de avião, mas de aeroporto. Não há avião que caía eternamente, mas aeroporto pode ser para sempre. Uma espécie de purgatório cheio de engravatados, lepitópis e peruas emperiquitadas, recendendo a pão de queijo (o lugar, não as peruas). Antigamente, devo confessar, eu achava o clima nos aeroportos sensual e romântico, prenhe de sugestões de sexo subsônico e destinos alternativos. Devo ter visto muito ou Emmanuelle ou Casablanca. Hoje, a impressão é de praticar sexo solitário: sempre me ferro. Daí meu medo de aeroporto.

Do mesmo modo, não acredito em astrologia, mas acredito em inferno astral. No meu, ao menos. Não me entra na cabeça que pessoas nascidas no mesmo dia tenham alguma semelhança só porque vieram ao mundo sob o mesmo céu. Ah, nunca é o mesmo céu, desconversam os crentes, tem a hora, o minuto, o segundo, a longitude, a latitude, a Lua, o ascendente, o descendente… Para mim, faz muito mais sentido agrupar as pessoas por time de futebol do que por signo. Consigo enxergar características comuns aos nativos de Fluminense, por exemplo, independentemente de eles serem Touro ou Peixes. Este talvez seja papo para depois que o Brasileirão 2011 acabar, oxalá com o Vasco campeão. Continuo na torcida por vocês, meu amigo.

Grande abraço,

Arthur

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