Woody Allen em ponto morto

No cinema

06.07.12

No festival de cinema de Gramado de 1999, depois da exibição de Tango, de Carlos Saura, Eduardo Coutinho me disse uma dessas frases que valem por uma aula: “Muitos grandes cineastas, quando não têm mais o que dizer, viram fotógrafos”. Ou seja: fazem filmes plasticamente exuberantes… e vazios.

Talvez não seja bem esse o caso de Para Roma, com amor, que nem é assim tão bonito, apesar de rodado em Roma, mas a sentença de Coutinho me veio à mente por conta da deprimente sensação de vazio, de esgotamento, de fundo de poço, produzida pelo filme de Woody Allen. Filme triste, que quase me fez chorar.

Piadas esticadas

Não se trata de condenar em bloco, por um rabugento parti pris, a recente vertente Michelin (ou antes Frommer’s, já que o olhar é sempre marcadamente americano) do cinema do diretor, isto é, seus filmes abertamente turísticos, que brincam com os clichês associados a determinadas cidades, ao mesmo tempo em que exibem suas belezas de cartão postal. Isso pode render filmes encantadores, ou no mínimo agradáveis, como À meia-noite em Paris e Vicky Cristina Barcelona.

O caso é que em Roma tudo desandou. A opção pelas histórias independentes, que se intercalam sem se entrelaçar, acabou resultando numa estrutura fácil, frouxa e artificial, que em nada lembra a hábil construção episódica de outros filmes do cineasta.

Cada um dos episódios, se narrado com tensão e concisão, poderia ser um bom curta cômico. Da forma como se construíram, são piadas que se alongaram até perder a graça. Os casos mais flagrantes disso são o do cidadão comum (Roberto Benigni) transformado subitamente em celebridade midiática e o do agente funerário (o tenor Fabio Armiliato) que canta árias de ópera no chuveiro.

Apropriação indébita

Mais grave, ao menos do ponto de vista do cinéfilo, é o episódio da provinciana que se perde em Roma durante a lua de mel, inspirado num dos primeiros filmes de Fellini, O sheik branco ou Abismo de um sonho (1952). Nada contra a reciclagem de obras do passado. O patrimônio cinematográfico da humanidade está aí para ser saqueado, canibalizado e revitalizado. O problema é que neste caso o que houve foi mera diluição, apropriação indébita. Para começar, a jequice do casalzinho perdido na metrópole fazia muito mais sentido na Itália dos anos 50 do que em nossos dias de globalização tecnológica e cultural.

Basta um minuto do filme de Fellini para fazer empalidecer (ou enrubescer de vergonha) todo o longa de Woody Allen. Aqui, o momento em que o galã de fotonovelas vivido por Alberto Sordi seduz a mocinha do interior:

http://www.youtube.com/watch?v=gdcyGTh_Z5Q&feature=youtu.be

Além de tudo o que foi dito, as cenas são mal filmadas, com enquadramentos que subaproveitam a topografia e a arquitetura da cidade e uma direção de atores feita nas coxas. As falas parecem ter sido mal decoradas, e sua edição é estacada, como num jogral de colégio. Os diálogos não são dignos de um roteirista criativo e tarimbado como Allen. Um exemplo singelo: o personagem do próprio Allen, um diretor vanguardista de ópera, lê num jornal romano que um crítico o tachou de imbecile e pergunta à mulher o que isso significa. Ora, em inglês a palavra imbecile se escreve do mesmo modo e tem o mesmo sentido que em italiano. Só o que muda é a pronúncia. Por que o roteirista-diretor não escolheu outra palavra para fazer a piada? O nome disso, ao que tudo indica, é preguiça.

Mas não percamos a esperança. Há apenas três anos, Woody Allen fez um filme ótimo, Tudo pode dar certo. E há sete dirigiu uma pequena obra-prima, Match point. Talvez, quando o enfado passar e ele sair do ponto morto, volte a ser um bom cineasta.

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