Só pra saber
Bernardo Carvalho
22.07.15
Se eu fosse uma criança recém-chegada ao Brasil, ia querer saber: Quem foi que pôs Eduardo Cunha na presidência da Câmara? É uma pergunta simples. E eu não ia parar de perguntar até que me explicassem como é que se faz política no Brasil. Votaram contra a corrupção do PT? Então, me expliquem como é que se combate corrupção com corrupção?
Pelo sim, pelo não
Bernardo Carvalho
08.07.15
Se ainda é cedo para vaticinar o destino da Grécia e da Europa, uma coisa ficou clara com o quiproquó que precedeu o referendo: as coisas há muito já não estão no lugar que antes lhes atribuíamos. Um jornal de esquerda, como o Libération, acusa de irresponsável um governo de esquerda e toma o partido dos credores, que por sua vez são associados por um jornal liberal, o The New York Times, a abutres tecnocratas. E isso não é nada, em termos de lógica, se comparado ao fato de um partido da esquerda radical, como o Syriza, governar numa coalizão com a extrema direita nacionalista.
Sempre teremos Paris
Carla Rodrigues
01.07.15
Em Paris, capital da modernidade, do geógrafo inglês David Harvey, o leitor brasileiro vai encontrar a versão europeia do que foi a transformação do Rio de Janeiro no início do século XX, quando as avenidas foram alargadas, os pobres, afastados, e os espaços urbanos organizados em prol da ordem capitalista. Paris nos ajuda a entender que a passagem do antigo para o novo não se dá sem traumas, sem que o morador da cidade se sinta um estrangeiro, como se queixam os cariocas, sem saber mais que caminhos tomar para chegar a bairros tradicionais como o Centro.
“Não corrijo, se arranje”
Bernardo Carvalho
24.06.15
Mário de Andrade se tornou uma espécie de parceiro involuntário contra a obsessão por uma identidade nacional que informava tudo o que se queria fazer respeitar na cultura brasileira da minha juventude. Todo mundo evocava e ecoava Oswald de Andrade como o gênio da raça. E eu batia palmas, encantado com a genialidade publicitária de frases de efeito como “só a antropofagia nos une”. Até começar a desconfiar daquilo tudo, daquela alegria, e de que talvez a antropofagia não me unisse a ninguém.
Os limites dos poderes
Carla Rodrigues
17.06.15
Fiquei espantada em descobrir que a palavra "empoderamento" está na moda, pois ela já esteve na crista da onda nos anos 1990 nos movimentos sociais no Brasil e havia caído em desuso. Há uma imensa distância entre a palavra e discussões que já seguem avançadas: os limites da estratégia que exige a formação de um grupo identitário que reivindica seu fortalecimento e o fato de que reivindicar empoderamento é ocultar da pauta de que forma de poder estamos falando.
Os bardos da hora
Bernardo Carvalho
10.06.15
Leio na The New Yorker que não é possível entender o movimento jihadista sem conhecer poesia e, especificamente, a poesia árabe clássica. Para quem ainda não sabia, os jihadistas são os bardos da hora. Ahlam al-Nasr é uma jovem poeta e militante síria, defensora incendiária do EI, que os jihadistas recitam em vídeos na internet, como se entoassem hinos, durante momentos de confraternização, quando não estão degolando ou queimando reféns vivos.
Está dada a “partidA” para um referente vazio
Carla Rodrigues
03.06.15
Marcia Tiburi propôs a criação de um partido feminista (chamado "partidA"), ou seja, sair do armário e entrar na política parlamentar. Acredito que, se a partida for dada em direção a um referente vazio de conteúdo, capaz de representar não um grupo previamente restrito a certas características identitárias, mas a todas as singularidades, funcionará para além das restrições da atual estrutura partidária e ainda trará um novo instrumento para questioná-las.
Livros de colorir
Bernardo Carvalho
27.05.15
Livros de colorir não são tão diferentes de outros títulos que costumam frequentar as listas de best-sellers. Até prestam um serviço de esclarecimento a quem ainda não compreende o mercado de livros. Quando Paulo Coelho, na Feira de Frankfurt, faz o elogio da Amazon contra as editoras, fala em nome do oportunista que segue a favor do vento. O que enoja é ver Juergen Boos, diretor da feira, olhando para Coelho como uma criança no colo de Papai Noel.
Duas vezes Agamben: preferia não
Carla Rodrigues
20.05.15
No entrelaçamento entre política e ativismo nas redes sociais, muitos de nós experimentamos o desconforto de ser interpelados por discursos de ódio e incontáveis debates vazios de conteúdo que brotam da crise da legitimidade de discursos. Diante dos debates vazios de conteúdo ou argumentos, da mera disseminação de ódio e preconceito, o “preferia não” ainda é a melhor resposta.
Realismo e desejo
Bernardo Carvalho
13.05.15
Assisti à montagem de Ivánov, de Tchekhov, dirigida por Luc Bondy, em Paris. A encenação era irregular, mas alguma coisa no texto me fez perder o pé. Tinha a ver com o amor e o desejo. A grandeza do realismo de Tchekhov vem da capacidade de fazer o mundo falar pelas suas complexidades, por ambiguidades e contradições. A compreensão do realismo literário hoje, ao contrário, foi reduzida a um modelo sucateado, a serviço de uma estratégia de identificação, com claros objetivos comerciais.
