Graciliano Ramos sob o olhar de Rachel de Queiroz

Por dentro do acervo

02.07.13
Graciliano Ramos e Rachel de Queiroz

Graciliano Ramos e Rachel de Queiroz

A última pergunta que o jornalista Homero Senna fez a Graciliano Ramos quando o entrevistou em 1948 para a Revista do Globo foi:

– Acredita na perenidade da sua obra?

Garante o entrevistador que, sem qualquer pose, antes “dando a impressão de que falava com absoluta sinceridade”, Graciliano respondeu com seu proverbial azedume:

– Não vale nada. A rigor, até, já desapareceu.

Imagina-se o assombro do velho Graça, nascido em 1892, se pudesse assistir às justas louvações à sua obra na Flip 2013. Tome-se como referência sua atitude no município alagoano de Palmeira dos Índios, onde morava, e recebeu a visita de José Lins do Rego, que visitava a cidade e queria ser apresentado ao maior conhecedor de mitologia grega da região. Não só de mitologia, mas de língua portuguesa –  era sabido o costume de Graciliano não se restringir a consultar dicionários e gramáticas, mas a estudá-los.

Nenhum dos dois tinha publicado um livro até então. Conta José Lins que, durante a visita, Graciliano permaneceu num canto da sala, “encolhido, de olhos desconfiados, com um sorriso amargo na boca, enquanto o governador do Estado falava para os correligionários”. Tratava-se de uma comitiva oficial, embora José Lins não explique de que natureza era essa visita narrada em “O mestre Graciliano”, incluído em Homenagem a Graciliano Ramos, publicado por ocasião dos cinquenta anos do autor de Vidas secas.

Depois do encontro, a literatura regionalista se encarregaria de aproximar o paraibano e o alagoano. Estariam lado a lado nas páginas dos compêndios de literatura por meio do que ficou conhecido como “romance de 30”. Afinal, Banguê, do primeiro, é do mesmo ano de São Bernardo, do segundo. A eles se antecipou Rachel de Queiroz, a mais nova dos três, nascida em 1910, e que estreou antes.

Diferentemente da escritora cearense, que participou do movimento modernista  por meio da revista Maracajá, de Fortaleza, Graciliano, irônico e convicto antimodernista,  declarou a Homero Senna que “enquanto os rapazes de 22 promoviam seu movimentozinho, achava-me em Palmeira dos Índios, em pleno sertão alagoano, vendendo chita no balcão”.

Atrás desse balcão ele se postara desde 1915, quando, recém-casado, assumiu a loja de tecidos do pai e ali encontrou um meio de sustentar a família. Mas não deixou de acompanhar a revolução estética que movimentava São Paulo e o Rio de Janeiro. Assinava jornais do Rio e atualizava as leituras por meio das compras de livros que fazia na Livraria Garnier, também do Rio, a partir dos catálogos que recebia pelo Mercure de France. Tudo de longe, encomendado a distância. Não queria participar de nada e só publicaria Caetés, seu primeiro romance, em 1933, aos 41 anos de idade, por decisão do poeta e editor Augusto Frederico Schmidt.

Rachel de Queiroz fizera outro percurso: no final da década de 1920,  aos 18 anos de idade, dirigia-se, não sem atraso mas com admirável coragem, aos “irmãos do sul”, querendo se integrar ao movimento modernista. É o que escreve no prefácio de Mandacaru, versos reunidos sob esse título em 1928, portanto anteriores ao seu romance de estreia, O Quinze, de 1930. Rachel desistiu de editar os poemas, que  permaneceram inéditos até 2010, quando foram publicados em edição fac-similar pelo Instituto Moreira Salles, guardião do arquivo da autora. A edição de Mandacaru marcou o centenário de nascimento da escritora, em 17 de novembro.

Dezoito anos mais nova do que Graciliano, estreou antes dele. Foi já no Rio, festejada como a autora de O Quinze, lançado havia um ano, que Schmidt lhe mandou ler os originais de Caetés, leitura que ela fez “encantada e reverente” – escreveria. Em 1934 Rachel mudou-se para Maceió, a fim de acompanhar o primeiro marido, José Auto. Ali conheceu o “velho Graça”, então Diretor da Instrução Pública e já autor de São Bernardo, lançado naquele mesmo 1934. A devoção que a ligou ao alagoano pode ser sentida na crônica que publicou em O Cruzeiro de 7 de junho de 1947, localizada em seu acervo e que se reproduz a seguir.

Elvia Bezerra é coordenadora de literatura do IMS.