Newsroom: vida inteligente na televisão

Miscelânea

04.09.12

The Newsroom, badalada nova série de Aaron Sorkin, encerrou sua primeira temporada na semana passada (nos E.U.A., aqui ainda está pela metade, sendo exibida pela HBO) acertando dois alvos com uma mesma pedra. Primeiro, prova que é possível que o entretenimento moderno tenha um pingo de inteligência. Segundo, traz para a arena do showbusiness do século 21 um ponto de vista pouco ouvido (apesar das paranoias) – o da política progressista. Sempre do ângulo dos bastidores (desta vez de um telejornal), o festejado e premiado roteirista – e agora produtor – encerrou a primeira temporada de sua nova série mostrando que é um dos grandes nomes da cultura pop norte-americana deste século.

Aaron Sorkin

Não é a primeira vez que Sorkin se atém a tais metas. Na verdade, toda sua carreira pode ser vista como uma obra dedicada a estes três temas: bastidores, política progressista e nenhuma trivialidade. É dele a famosa frase “Você quer a verdade? Você não consegue suportar a verdade!” da peça A few good men, seu primeiro feito, ainda nos anos 80, que virou o filme Questão de honra, com Jack Nicholson, Demi Moore e Tom Cruise no início da década seguinte. Foi nos anos 90 em que começou a flertar com Hollywood, a princípio reescrevendo roteiros de outras pessoas, em thrillers de ação com Sean Connery ou Will Smith. Mas começou a se destacar na paisagem quando lançou a série Sports Night, sobre o dia a dia numa redação de um programa televisivo de esportes, que lhe abriu espaço para seu primeiro grande trunfo, a série The West Wing, sobre as diputas políticas nos corredores da Casa Branca. A série deu-lhe gás para investir em sua carreira cinematográfica, quando escreveu Jogos de poder em 2007 (de Mike Nichols, sobre o início da guerra da URSS contra o Afeganistão), A rede social em 2010 (de David Fincher, sobre a criação do Facebook) e O homem que mudou o jogo em 2011 (de Bennett Miller, sobre beisebol). Toda sua obra culmina para Newsroom, série cujos 10 primeiros episódios foram ao ar no segundo semestre deste ano.

The Newsroom – A Redação, em inglês – acompanha o dia-a-dia de uma equipe de telejornal liderada por Will McAvoy, vivido por Jeff Daniels talvez no papel de sua vida. Ao ser questionado em um debate na TV sobre por que os Estados Unidos seriem o melhor país do mundo, o âncora e editor-chefe de um dos principais telejornais dos EUA responde ao questionamento em um discurso de tirar o fôlego:

A partir daí, o programa liderado por Will sofre uma série de reveses. O primeiro deles diz respeito à própria figura do protagonista, tachado como “o Jay Leno do telejornalismo” por não incomodar ninguém. A partir do susto do discurso dado de improviso – e que vira hit no YouTube da ficção -, o personagem passa por um processo de autoanálise que culmina com a publicação de um perfil na capa da revista The New Yorker, no último episódio da primeira temporada. Por toda a temporada, revê casos passados (especialmente com a jornalista MacKenzie Hale, vivida pela inglesa Emily Mortiner, que se torna produtora do telejornal a partir do primeiro episódio), retoma o divã, questiona seu próprio uso de drogas e seu papel paradoxal de celebridade do mundo das notícias. Newsroom parte do pressuposto de toda grande série – um mergulho interior em uma personalidade dúbia – e, como toda grande série, não depende apenas do protagonista e seu intérprete para sobreviver.

 
A redação de Newsroom é um elenco de primeira. Além de Daniels e Mortimer, conta com dois talentos em ascensão no teatro norte-americano, John Gallaghr Jr. e Thomas Sadoski, nos papéis de Jim Harper e Don Keefer, o novo e o velho produtor de McAvoy tendo que trabalhar sob o mesmo teto – e dividindo uma mesma paixão. Aos poucos, Jim avança sobre Maggie Jordan, vivida pela ótima Alison Pill (a Zelda Fitzgerald de Meia-noite em Paris). Completam o time Dev Patel (como Neal Sampat, o jornalista-hacker tão incompreendido nos dias de hoje), a ótima Olivia Munn (apresentadora do telejornal sobre videogames G4 e a segunda maior celebridade do time, ela desquilibra vivendo os dilemas da economista Sloan Sabbith) e o veterano Sam Waterston, de Law & Order, como o presidente do canal. Além de Jane Fonda, como Leona Lansing, principal executiva do conglomerado dono da emissora que exibe o programa.
 
A metalinguagem reina sobre uma série de TV que fala de política em um mundo obcecado por frivolidades e superficialidades que vão da previsão do tempo às gafes de qualquer subcelebridade “e um modelo de iPhone esquecido num bar”, como o próprio Will esbraveja ao reconhecer que coordena um noticiário frio, chocho e sem graça. As referências sobre a dificuldade de injetar inteligência na rotina de uma audiência acostumada a sarados, gostosas, tragédias e dicas de consumo aumentam quando as notícias abordadas por Newsroom são fatos que aconteceram de verdade: o primeiro episódio fala do vazamento da British Petroleum no Golfo do México, mais adiante a Primavera Árabe e a morte de Osama Bin Laden entram na pauta do telejornal e da série.
E é aí que a série mais convence. Pois coloca-se como antítese a uma ideologia política que tem eco no showbusiness desde que o 11 de setembro endossou o neoconservadorismo – e dá nome aos bois, citando nominalmente Glenn Beck da Fox News e o radialista Rush Limbaugh como alarmistas, catastrofistas com interesses escusos e agenda pré-definida. Se a melhor alternativa ao escárnio republicano da era Bush é o bom mocismo comportado de Obama, Sorkin apela para a ficção e cria um crítico sério e implacável contra uma oposição que pouco tem a ver com ideologia política. McAvoy, ele mesmo um republicano de carteirinha que prefere “acreditar que o aquecimento global tem motivos científicos e não religiosos”, termina um de seus programas descrevendo o Tea Party, vertente mais radical do conservadorismo dos EUA, simplesmente de “talibã americano”. Impossível imaginar tal declaração num telejornal de grande porte naquele país – a não ser na ficção.
As críticas a Newsroom são várias – e grande parte delas esbarra na forma corriqueira e trivial que jovens repórteres lidam com grandes assuntos. Mesmo que haja um certo exagero nessa narrativa, é difícil, por exemplo, imaginar o fictício doutor House da série de mesmo nome continuando empregado no mesmo hospital depois de um mês de suas idiossincrasias ou que a rotina de uma delegacia em Miami tenha tantas reviravoltas quanto as do seriado Dexter. É inevitável que haja uma espetacularização de um dia-a-dia que, caso verossímil, tornaria-se enfadonho para o telespectador. O que, quando leva para a rotina de outras paixões na redação (especialmente o triângulo Jim-Maggie-Don), resvala quase em uma novelinha. Outra crítica diz respeito aos chamados “sorkinismos” – exercícios de tirocínio dramático tão característicos da obra da Sorkin que já podem ser considerado um clichê do autor da série. Parte deles está reunida no video abaixo:

Mesmo essas críticas tornam Newsroom obrigatório no 2012 que vivemos – de polarizações políticas, espetáculo da notícia e déficits de atenção. Responde à agressividade conservadora da primeira década do século com bom humor e inteligência, sem precisar apelar para sexo, drogas ou violência. Uma espécie tida como extinta na TV do século 21, felizmente ainda vive.

* Na imagem que ilustra o post: o ator Jeff Daniels.

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