A música instrumental brasileira nunca foi exatamente popular, com a gritante exceção de Villa-Lobos, mas tornar a produção nacional na área mais conhecida sempre foi um dos objetivos de Alexandre Dias, fundador do Instituto do Piano Brasileiro, que se diz um “militante da causa”. Especialista na obra de Ernesto Nazareth, Alexandre tem formação de pianista e tocará no Recital Ernesto Nazareth 150+3, no dia 19 de março, no IMS-RJ.
Sempre pensando em como aumentar o público interessado em música brasileira, e como tirar obras incríveis do restritíssimo gueto dos eruditos, Alexandre recorreu a outra paixão sua: os videogames. Como experimento, lançou dois vídeos, unindo cenas de jogos clássicos como Super Mario Bros e Chrono Trigger, a música brasileira para piano cuidadosamente escolhida para cada cena.
Os vídeos, que foram muito bem recebidos, juntam-se de forma inesperada a todo um universo de vídeos no Youtube nos quais a música de videogames é o foco, sendo reinterpretada constantemente: há vários canais fazendo versões a capella, em violão ou piano solo de trilhas clássicas.
Alexandre Dias descobriu os games quando criança, na geração 8-bits, isto é, com o NES, mais conhecido no país como Nintendinho. Os videogames não permitiam trilhas complexas, restringindo-se a uma sonoridade de sintetizadores monofônicos. Ainda assim, compositores como Koji Kondo (Super Mario Bros., Zelda) conseguiram se destacar, apesar das limitações técnicas.
“Você passa horas e horas jogando videogame, e a trilha repete tantas vezes que você internaliza elas, e muitas vezes se apaixona pelas músicas. Tenho a convicção de que a música dos jogos marcam tanto os jogadores porque passamos a esperar por ela, sentimos alegria quando toca um tema esperado”, afirma.
Apaixonar-se pela repetição. De certo modo, Alexandre argumenta, para gostar de complexas peças de música erudita, o processo é o mesmo. Precisamos escutar inúmeras vezes a mesma peça de Villa-Lobos para conseguirmos apreendê-la, decodificar a estrutura. E que lugar melhor para escutar várias vezes o mesmo tema que o videogame?
Foi a partir desta reflexão que Alexandre bolou esta provocação em dois atos: “Quis despertar o potencial que há na relação entre música erudita e música de videogames. Os jogos tem muitos fãs, e os vídeos geraram muitas reações díspares. Há puristas que ficaram incomodados com a mistura. As pessoas ficam tão acostumadas a associar a figura do Sonic ou do Mario a uma trilha específica que não gostaram de ouvir outra música naquela cena. Mas o gamer, a partir dessa provocação, pode passar a se interessar mais por música instrumental brasileira.”
Apesar de ter elaborado essa mistura que pode parecer um sacrilégio a muitos jogadores, Alexandre Dias se diz fã de várias trilhas famosas, como a de Chrono Trigger, clássico do Super Nintendo, composta por Yasunori Mitsuda, e a do supracitado Super Mario Bros., de Koji Kondo. Por outro lado, critica músicas que só tem uma parte, não exploram timbres, são muito monotônicas, o que ocorre desde o tempo do Atari até o Playstation 4.
“Penso que os programadores de jogos” – e há uma indústria crescente no Brasil – “podiam aproveitar mais a música brasileira. Há muitos trabalhos instrumentais em domínio público que poderiam ser usados. Podiam se valer do gênero musical chamado tocata, que consiste em músicas rápidas em modo perpétuo, que possuem um ritmo pujante. As tocatas são ótimas para sonorizar jogos. Não à toa, o primeiro vídeo tem três tocatas”.
A série de vídeos pretende continuar, desta vez com um colaborador auxiliando na escolha de jogos. Material não faltará: o cenário dos jogos independentes está em expansão no mundo todo, e a cada dia novos games são criados com visuais impressionantes (não apenas em termos técnicos, mas artísticos). A importância da música nos games se tornou inquestionável: Hotline Miami, sucesso recente inspirado na estética da década de 1980, foi vendido com a trilha prensada em vinil; Journey, jogo de ares metafísicos, teve a trilha executada ao vivo por uma orquestra enquanto um jogador percorria o deslumbrante cenário virtual, também ao vivo – a graça é que a trilha se adapta conforme a cena do jogo.
“A música brasileira é a mais rica do mundo. Ela implora para ser aproveitada”, diz Alexandre Dias. Fãs de videogames despidos de preconceitos que assistirem aos vídeos tenderão a concordar.