Veneno sensório

Por dentro do acervo

06.09.12

A experiência do escritor e jornalista mineiro Paulo Mendes Campos com a droga LSD, também conhecida como ácido lisérgico, tornou-se bastante popular. Foi publicada em livro (é um dos textos de Cisne de feltro: crônicas autobiográficas, editado em 2001 pela Civilização Brasileira, org. Flávio Pinheiro) e se encontra espalhada pela internet, em blogs e quetais. Igualmente interessante é a caderneta onde Campos fez diversas anotações sobre a droga, unindo pesquisa científica com comentários pessoais.

A curiosidade de Paulo Mendes Campos em relação aos psicotrópicos vem de longa data: aos vinte anos de idade, ele trabalhou numa biblioteca de medicina, onde acabou lendo diversos tratados sobre loucura e drogas alteradoras da consciência. Anos depois, Campos tomaria conhecimento dos textos de Aldous Huxley sobre o uso de mescalina. O interesse crescente pelos efeitos alucinógenos do LSD, por fim, levou Paulo Mendes Campos a experimentar a droga em um dia de agosto, em 1962, acompanhado por um médico, e registrar as suas sensações em um texto que se tornou uma espécie de marco. O escritor afirma que o ácido lisérgico alterou radicalmente a maneira como contemplava obras de arte. Não apenas experimentava uma “acuidade cromática”, isto é, uma sensibilidade maior às cores, mas seu estado alterado de consciência permitia uma nova forma de apreciação estética. Este efeito não havia sido previsto por Campos, por mais que ele tenha pesquisado sobre o assunto. E, de fato, muito pesquisou. As informações estão compiladas no caderno que exibe a seguinte capa:

A capa do caderno traz uma mancha bordô no canto inferior que lembra vinho, mas provavelmente é tinta. Fosse vinho, aumentaria ainda mais a mitologia em torno do caderno, que começa com anotações sobre o artigo The use of LSD in psychotherapy (o uso de LSD na psicoterapia). Ao contrário de outros cadernos de Paulo Mendes Campos – como o “Transumanas”, rascunho para um livro que traz aforismos e citações separados por páginas e escritos de modo limpo e organizado -, o “Caderno 20” (conforme catalogação da Reserva Literária do IMS) parece escrito de modo desregrado, com as linhas “subindo o morro”, as margens espremidas etc. Observe o exemplo abaixo:

Há espaço para curiosidades bizarras, como a seguinte: “Há bons testemunhos de que gatos sob LSD são mais sensíveis a estímulos externos”. As anotações vão ficando progressivamente mais filosóficas, e entre as últimas páginas da parte dedicada ao LSD, está esta frase sublinhada:  “Assim, a neurose torna-se um modo de evitar o não-ser evitando o ser”. Algumas páginas depois, o LSD é deixado de lado e aparecem transcrições de poemas traduzidos, seleção de crônicas, listagem de poemas. Resta saber se, após a experiência, Paulo Mendes Campos ainda concordaria com a definição dada ao LSD que se encontra registrada na caderneta: “veneno sensório”.

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