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Bruna querida,
Que carta linda! Preferia que, em vez do poema escrito, estivesse eu ali e falasse o poema e, em vendo seu encanto, pulasse da tela, a la Woody Allen, em cima de você. Melhor não. Você estaria muito ocupada. De todo jeito, fiquei prosa com o impacto desse trecho do poema sobre você. O poema chama “Nada será como antes”. Ele todo é assim: “Nosso amor puro / Pulou o muro / Caiu na vida. // Jamais seremos o par romântico / Que outrora fomos”.
A primeira vez que pus os olhos sobre você, Bruna, embora não tenha certeza, foi numa noite de Flip em 2005. Ali num boteco na rua atrás da praça. Estava com a Cecília Giannetti e ela me disse: “quero te apresentar a uma poeta”. E, de repente, você sai do fundo do bar e no meio da nuvem etílica, da algaravia de marujos alcoolizados, me olha atrás das suas lentes de fundo de garrafa. Conversamos coisas animadas que fogem na bruma do tempo. Talvez tenha lhe convidado para fazer o CEP 20.000. Mas mal sabia que, a essa época, apenas murmurava.
Depois comprei seu livro A fila sem fim dos demônios descontentes. Foi um furor aquilo. Ri, chorei. Chorei, ri. Fui possuído pelo indescritível prazer de descobrir jovens poetas. Ali tinha humor + porrada + leveza + surpresa. Era estonteante. Fui à lona. Queria reproduzir aqui os poemas de que mais gostei, mas o livro desapareceu misteriosamente da minha estante.
Depois te segui aqui e ali pela web. Acho que te encontrei em São Paulo. Mas não afirmo. Eu me lembro de uma história do Ruy Guerra, que dizia ter lido que o Gabriel García Márquez dizia em uma entrevista que o conhecera na África, e os dois saíram para jantar depois de alguma efeméride. Ruy nega veementemente. Para ilustrar habilmente que a memória de um artista não foi feita para se lembrar das coisas que aconteceram, pois essas já aconteceram. Mas sim para lembrar o que não aconteceu. Antes que eu adote essa tese e saia por aqui me lembrando de quatro ou cinco noitadas nossas num zôo da Manchúria, vou me manter dentro do vivido. Ou quase.
No ano passado te reencontrei num show maravilhoso que dividiste com o Letuce (Letícia Novaes e Lucas Vasconcellos) e o André Dahmer, dirigidos por Márcio Debelian e Miguel Jost, no Oi Futuro de Ipanema. Entrei por trás do palco e vi uma morena-colosso esperando na coxia o show começar. Nós nos entreolhamos. Até que você riu e disse: “não está me reconhecendo?”. Não estava. Você dera um mortal e pulara o muro que separa a adolescência de uma mulher adúltera. E você ria. E eu, sem graça, falei “Bruna!?” e fui meio tonto procurar o meu lugar. O show foi lindo e você tinha aprendido a falar (e a cantar) muito que bem. Eu, na plateia, com o coração aos pinotes. Depois nos falamos no fim. Confesso que fui embora atordoado com sua mutação congalomonga.
Neste verão soube que dividimos uma mostra no Arpoador. No dia, verão a pino, fiquei em casa. Esse defeito acaba comigo. Vai me sujar na roda. Sou meio ermitão mesmo. Mas vi uma foto no Facebook do seu trabalho e morri. Era uma onda azul sobre fundo vermelho. Depois vi o til. Creio que mais que dizer que o arpex é uma onda boa, você quis acentuar o mar. Acentuar o mar. Bruna, a verdadeira onda é você. Até jah!
Imagem: “Til, onde o mar se acentua”, de Bruna Beber. Fotografia de Letícia Novaes