Teóricos da conspiração se debruçam há muito tempo sobre o filme que registra a chegada do homem à Lua para denunciar suas falhas e, portanto, sua autenticidade: a qualidade técnica, a ausência de atmosfera e a baixa gravidade colocariam em xeque a sobrevivência da película ao impacto de uma viagem espacial; o tremular da bandeira norte-americana em solo lunar e a profundidade das pegadas dos primeiros astronautas no satélite que orbita a Terra, além de sombras contraditórias em diferentes cenas e a definição dos detalhes das fotografias, mesmo em contraluz e sem flash. As teorias mais paranoicas inclusive apontam para a presença de Stanley Kubrick, que, um ano antes da chegada da Apollo 11 à Lua, havia filmado o épico 2001 – Uma Odisseia no Espaço…
Nenhuma teoria é tão irresistível quanto a contada no falso documentário Dark side of the Moon, do francês William Karel em 2002.
Karel, cuja obra como documentarista conta com quase 20 filmes (a maior parte feita para a TV, um deles vencedor de um Emmy, em 1995), é conhecido por focar temas norte-americanos e sua familiaridade com o assunto o deixou à vontade para explorar melhor esta teoria da conspiração com a ajuda da própria viúva de Kubrick, Christiane, e de celebridades da política norte-americana, em cenas editadas ao bel prazer da narrativa abertamente mentirosa do documentário.
São cenas que trazem personagens-chave da história do século XX conversando sobre supostos segredos de Estado como se estivessem lembrando histórias da época da faculdade. Alternando trechos editados de entrevistas sobre assuntos completamente avessos ao tema do documentário fake, nomes como Donald Rumsfeld, Henry Kissinger, Vernon Walters e o ex-astronauta Buzz Aldrin discorrem sobre como o programa espacial norte-americano sempre foi uma desculpa para fazer a opinião pública apoiar aumentos no orçamento militar que culminariam com o projeto do escudo espacial norte-americano, Star Wars, proposto pelo governo Reagan na década de 1980.
O documentário mostra como a União Soviética estava à frente dos EUA na corrida espacial e como a Casa Branca entendeu que havia a necessidade de transformar a chegada à Lua em um espetáculo, que no fim aumentaria a corrida armamentista da Guerra Fria. Após acusações veladas sobre o fato de o governo norte-americano ter sabotado o programa espacial soviético, Dark side of the Moon chega em seu melhor momento: aquele em que Donald Rumsfeld sugere a Nixon que chame Stanley Kubrick para dirigir um filme para entreter a opinião pública – caso o filme que viesse da Lua fosse inutilizável ou se a missão fracassasse.
A sequência de entrevistas reveladoras é hilária e a intromissão de Kubrick no processo teria acontecido por pura birra perfeccionista do diretor, quando viu que os cinegrafistas da Nasa não entendiam nada sobre filmar no espaço. Sua colaboração lhe garantiria inclusive o acesso à tecnologia de ponta – e assim Kubrick teve acesso às melhores câmeras de sua época, incluindo um modelo único desenvolvido pela Nasa para registrar cenas à luz de velas, sua obsessão na época do mítico e não-filmado Napoleão, que se materializou em Barry Lyndon (1975).
Dark side of the Moon brinca com a maneira como narrativas bem feitas podem iludir o espectador. Além de entrevistas “reveladoras” (Rumsfeld começa seu depoimento dizendo “vou lhe contar uma história fascinante”), a edição é crucial para que a teoria se sustente, criando contexto e conseqüências que não foram cogitadas pelos teóricos da conspiração tradicionais. Um certo produtor Jack Torrance (o nome do personagem de Jack Nicholson em O iluminado, de Stanley Kubrick) chega a mostrar que a eleição de Reagan teria sido a forma de agradecimento dos “power that be” à ajuda de Hollywood – “a fábrica dos sonhos”, como o documentário frisa diversas vezes – neste momento tão delicado da Guerra Fria. Outro entrevistado, o astronauta Dave Bowman, é um personagem fictício especificamente kubrickeano – pois é o protagonista de 2001, ao lado do computador HAL 9000.
E na hora em que as “falhas” dos registros cinematográficos da Lua são expostas, elas não parecem apenas um delírio de mentes obcecadas com uma mentira – sob esta nova luz, parecem críveis e sensatas. Um golpe de mestre de um diretor muito consciente de sua atividade, que sempre recorre à clássica frase de Truffaut sobre o formato documentário – de que “um documentário é mil vezes mais mentiroso do que uma ficção, pois na ficção tudo é esclarecido desde o início”.
A lenda urbana do envolvimento de Kubrick com os filmes da Apollo 11 entreteve o diretor ainda em vida – a ponto de ele vestir o personagem Danny, em O iluminado, com um suéter em referência à mais memorável missão espacial norte-americana.
O filme inteiro pode ser visto no YouTube:
Na imagem da home que ilustra o post: cena do filme O iluminado, de Stanley Kubrick.