Anteontem, era domingo, fazia sol e Tony Scott saiu de casa. Estacionou seu Toyota Prius no acostamento de uma das pistas da Vincent Thomas Bridge, na grande Los Angeles, saltou a cerca de proteção e subiu em direção à ponte por volta do meio-dia. Meia hora depois, pulou da ponte e encerrou sua biografia.
Era um dos diretores mais bem sucedidos de Hollywood, embora não fosse dos mais premiados ou mais reconhecidos – esse papel caberia melhor para seu irmão, Ridley Scott. Ao contrário dele, Tony nunca foi celebrado como um talento promissor ou um dos grandes de Hollywood – Ridley teve dois grandes momentos em sua carreira, quando apareceu pela primeira vez com uma sequência de filmes magistral (Os duelistas, o primeiro Alien, Blade Runner) e depois quando se estabeleceu como diretor de épicos caça-Oscar (Gladiador, Falcão negro em perigo, O Gângster, Robin Hood).
O icônico estilo oitentista de Top Gun
Já Tony passou longe desses trunfos – embora seus filmes fossem igualmente populares. A começar pelos dois veículos que estabeleceram a carreira de Tom Cruise como astro – Top Gun (1986) e Dias de trovão (1990) -, passando pelo segundo filme da série Um tira da pesada (1987), com Eddie Murphy (daqueles raros casos em que a sequência supera o original) e pelo filme que consolidou Bruce Willis como astro de filmes de ação, O último Boy Scout (1991).
Eram os filmes do início da carreira de Tony que, diferente da de seu irmão, manteve-se fiel a dois temas: a tensão e a velocidade. Tanto os rachas entre jatos militares de Top Gun quanto as corridas de stock car de Dias de trovão tinham parentesco com os trens desenfreados de seus filmes mais recentes (O sequestro do metrô 123, de 2009, e Incontrolável, de 2010). E quando não eram veiculos rasgando o asfalto, o clima era de desconfiança e paranoia, tanto no claustrofóbico Maré vermelha (1995), no tenso Inimigo do Estado (1998) ou no desconfiado Jogo de espiões (2001).
Filmes duros e frios, considerados sem alma pela crítica cinéfila, mas tecnicamente perfeitos – como devem ser os filmes de ação. Nem atuações pífias como as de Tom Cruise comprometiam o andamento e a adrenalina e mesmo cercando-se de atores competentes (seu alter ego mais recente era Denzel Washington, com quem fez quatro filmes) não deixava os personagens crescerem para além do que considerava primordial em suas premissas: situações-limite, disputas de poder, decisões que precisavam ser tomadas com urgência. Era cinema com sensibilidade muscular, sem tempo para devaneios ou elucubrações, sem espaço para titubeios ou sobressaltos.
Da mesma forma que não se prendia à arte cinematográfica – tratando o cinema como uma máquina – também não ficava restrito a um tipo de formato de narrativa, indo do cinema para o documentário, para a TV, para os videoclipes e comerciais de TV. Num deles, colocou James Brown e Marilyn Manson num comercial para a BMW. Num outro colocou George Michael num único quarto no clipe de “One More Try”, quando os clipes começaram a ficar caros e superproduzidos.
Seus dois maiores momentos, no entanto, talvez sejam filmes que não tenham tanto impacto popular – não como Top Gun ou Inimigo do Estado. Em Amor à queima roupa (1993), pegou o roteiro de um certo novato conhecido por alterar a ordem da narrativa de seus filmes (um tal Quentin Tarantino) e colocou-o na ordem certa, linear – escolhendo Val Kilmer, que havia acabado de interpretar Jim Morrison num filme de Olvier Stone, para fazero papel de Elvis Presley. Dez anos depois, em Deja-Vu (2006), seu melhor filme com Denzel Washington, reinventa o conceito de máquina do tempo como um recurso técnico policial.
Cena do filme Amor à queima roupa
Contudo, seu momento mais memorável, e inusitado, dado ao rumo que levou sua carreira, é a abertura de Fome de viver (1983), seu primeiríssimo filme, – que, mesmo com David Bowie e Catherine Deneuve num filme de vampiros dos anos 80, não foi redescoberto pelas gerações que se encantam com o calor sexy da série True Blood ou o romantismo platônico emo dos livros e filmes da saga Crepúsculo.
http://www.youtube.com/watch?v=L852uDRskQg
Antes de se jogar da ponte, Tony Scott havia deixado um bilhete suicida em seu carro, cujo conteúdo ainda não havia sido revelado pela polícia. Mas desconfiava-se que ele vinha atravessando um câncer que havia sido diagnosticado como sendo intratável – a família dele nega. Verdade ou ficção, nessa versão ele decide não perder a briga para a vida e faz como os personagens de seus filmes – assume a responsabilidade e ele mesmo se mata.
Tony Scott não era um fraco.