Bernardo Carvalho

No vestiário

Bernardo Carvalho

27.04.16

É um lugar-comum que, na falta de argumentos, um dos lados da discussão termine citando Hitler e o nazismo como exemplos do mal absoluto e indiscutível. Costuma ser uma saída fácil e burra, e uma comparação em geral improcedente e irresponsável. Bolsonaro não é Hitler nem nazista, claro, mas há lições da história que não deveriam ser esquecidas. Não se faz pacto com o fascismo. Por motivo nenhum. Não se condescende com o fascismo nem por piada.

Janaína é uma bola

Bernardo Carvalho

13.04.16

A performance de Janaína Paschoal, a musa do impeachment, é consequência de uma sociedade midiática, de exposição absoluta, que desnorteia os indivíduos entre BBBs, Facebook e o mundo das celebridades. Ninguém vê, por exemplo, obscenidade alguma em a mulher de um juiz em princípio sério e idôneo, que faz um trabalho importante contra a corrupção no país, abrir uma página no Facebook com o título “Moro com ele” (trocadilho com o nome do marido), para agradecer o apoio e as centenas de milhares de mensagens de carinho da população. Se ninguém vê, não sou eu que vou explicar.

Defesa da literatura

Bernardo Carvalho

30.03.16

Um processo kafkiano está em curso na França, depois de o escritor Édouard Louis ter sido intimado por "atentar contra a vida privada e a presunção de inocência" do homem que o agrediu e o estuprou, sob a mira de um revólver, há três anos. Em seu segundo romance, "História da Violência" (ed. Seuil), publicado em janeiro com ampla repercussão de público e de crítica, o escritor de 23 anos narra seu encontro casual, na noite de Natal de 2012, com um homem de origem argelina, de cerca de 30 anos, que se apresenta como "Reda". Os dois vão ao apartamento do escritor, onde "Reda" o estrangula (por pouco não o mata) e o estupra, antes de desaparecer.

No lugar do outro

Bernardo Carvalho

16.03.16

O sacrifício é uma forma extrema de representação: alguém morre no lugar do outro; alguém assume o lugar do outro, para salvar o outro. Muitas vezes, o sacrifício toma a forma de um ritual, o que o aproxima do teatro. É o tema da peça (A)polônia, do polonês Kryzstof Warlikowski, que encerrou a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, MITsp, no domingo.

Negacionistas

Bernardo Carvalho

02.03.16

O negacionista costuma negar os fatos enquanto ainda pode contar com a ignorância a seu favor. Quando nega a existência das câmaras de gás nos campos de concentração, por exemplo, é porque conta com a sobrevivência do antissemitismo entre seus leitores e ouvintes. Ao contrário do louco, é um calculista. E quando não é apenas burro, é basicamente um covarde que só age enquanto vê alguma chance de manipular a opinião pública e de tirar algum proveito disso.

Cinema das causas perdidas

Bernardo Carvalho

17.02.16

O princípio da empatia é a passividade do espectador. Funciona tanto para a propaganda quanto para o cinema de entretenimento. É o caso de um filme em cartaz sobre transgêneros feito para o grande público. Ao contrário disto, está o cinema que pretende sacudir a consciência do espectador, seus valores e sua moral, e que tende a ser bem mais desconfortável. É o caso de O enforcamento, de Nagisa Oshima.

Contra o leitor

Bernardo Carvalho

03.02.16

Dizer hoje que se escreve "contra o leitor" é imediatamente associado à suposta arrogância e à presunção de quem diz. É uma heresia e um paradoxo, uma contradição em termos, além de ser considerado uma ofensa. Porque o leitor é um cliente e, como mandam as regras do bom comércio, o cliente vem em primeiro lugar. É o tempo do academicismo, da aplicação das normas e das convenções, do pensamento pequeno e da visão curta.

O romance da arte

Bernardo Carvalho

20.01.16

Muito da arte contemporânea já vem com legendas. É uma arte retórica, redundante e ilustrativa, que dispensa a crítica. Em seu livro de ensaios sobre artes plásticas, Keeping an Eye Open, Julian Barnes escreve justamente sobre a dificuldade de escrever sobre arte. E, por isso, procura pinturas que também sejam romances e pintores que também sejam personagens. Escreve sobre um quadro como se resenhasse um romance (ou o redigisse).

“Ele é de esquerda?”

Bernardo Carvalho

06.01.16

O novo filme de Tarantino não poupa piadas e injúrias racistas, quase sempre fazendo a sala gargalhar. É um método arriscado, mas muito potente, de levar o racismo a nocaute – pela exaustão, pela própria truculência e pela própria imbecilidade. É possível que se houvesse um Tarantino no Brasil, nem chegassem a assistir a seus filmes, se contassem a história do racismo neste país, porque há quem diga que não existem negros no Brasil.

Propaganda

Bernardo Carvalho

23.12.15

Antes do novo Star Wars, é exibido um comercial de banco que discorre, com o auxílio da voz emocionada de uma atriz conhecida, sobre as boas coisas da vida. Ao contrário do episódio VII de Star Wars, ninguém é pobre, nem esfarrapado, nem feio nesse mundo do melhor da vida que o banco selecionou para você antes de dizer que é banco.