Laura Erber

Atados por cartas

Laura Erber

28.09.16

Durante anos, Baudelaire e sua mãe mantiveram intenso contato através de cartas. Boa parte dessa correspondência testemunha a urgência do poeta em vê-la e ao mesmo tempo a impossibilidade de visitá-la. Problemas de saúde, problemas de dinheiro. Se toda carta de amor é ridícula e se toda carta é sempre, em alguma medida, uma carta de amor, o afeto epistolar entre ambos é testemunha de um drama amoroso dos mais fascinantes.

Um adeus a Tunga

Laura Erber

07.06.16

Tunga (1952-2016) foi um artista do Antropoceno muito antes que tal discussão viesse à tona no campo das artes. A predileção pelo cobre, com sua enorme potência de significação, os dentes e os cabelos, partes de nós que testemunharão nossa morte e nossa reconversão mineral, para sermos devolvidos ao mundo antropoceno que criamos. Perdê-lo nos deixa confusos. Ficaremos aqui meio tontos, meio perdidos entre vestígios visionários e reverberações da sua curiosidade barroca, reunidos diante dessa matéria vital gerada por fantasia tão generosa.

O poema se escreve, não se explica (a vida)

Laura Erber

12.04.16

Quem quando queira, de João Bandeira, pode trazer um pouco de leveza e a impressão de que a herança moderna não precisa ser um fardo ou um mau agouro, mas um laboratório a ser reinvestido e repensado em função da dissolução ou afrouxamento de certas disputas. Longe de fazer da convivência entre diferentes vertentes poéticas um sintoma pseudodemocrático da biodiversidade poética contemporânea, ele libera a poesia de superegos já caducos, sem se privar do tom lírico ou perder o horizonte de autocrítica. Abre pequenas brechas de contato, ali onde se tornou possível colocar em diálogo o rigor lúdico do concretismo, um ouvido musical e a utopia do verso livre.

Por onde andou Sophie Podolski?

Laura Erber

14.03.16

Uma poética da leitura encorpa e dá força à literatura de Roberto Bolaño – é algo perceptível desde a juventude de poeta infrarrealista no México até seu romance póstumo, 2666. Dos incontáveis nomes disseminados nessa obra, há dois que nunca cessaram de me intrigar: Sophie Podolski e o Montfaucon Research Center. Sophie Podolski, garota belga que se suicidou aos 22 anos, membro do Montfaucon Research Center. A ela Bolaño dedicou um poema, incluído em La universidad desconocida, e nele diz estar partindo para o país de Sophie, país do nada e da metamorfose lunar.

Academia.edu, uma comunidade em fluxo

Laura Erber

28.07.15

"Comunidade acadêmica" é uma coletividade tão autoevidente quanto infigurável e essa infigurabilidade é incômoda toda vez que a comunidade necessita de algum tipo de representação, de uma voz que a projete publicamente em seu conjunto. Nesse contexto, torna-se particularmente interessante a adesão crescente e o uso cada vez mais dinâmico do Academia.edu, que, no entanto, não está livre de ser capturado pelo que há de mais mesquinho e idiotizante na economia virtual, e deve ser encarado com sobriedade.

Cimento, papel e cinza

Laura Erber

19.05.15

Ao perdermos Ivens Machado, perdemos também esse precioso e cada vez mais raro modo de “ver com olhos livres” que provinha de uma relação vital com a potência das formas e com a beleza do informe. Dessa relação advinha sua arte, que em vários momentos lembra, no misto de rudeza e graça, certas manifestações pré-históricas. Dito de modo mais vulgar, Ivens “tinha olho”. Parece pouca coisa, mas é algo que infelizmente falta a grande parte de nossos jovens artistas e críticos.

Os artistas vão salvar o mundo…

Laura Erber

15.01.15

Durante dois anos, fui artista em residência no Centro Le Fresnoy, na França, e morei em Roubaix, cidade que se tornou exportadora de jovens jihadistas. À postura virulenta e enfant terrible do Charlie Hebdo se contrapõe o ideal de que os artistas vão salvar o mundo. Muitas vezes servimos como boi de piranha em projetos de remodelagem de áreas urbanas. Assim, a pobreza pode ser vista, consumida ou experimentada numa espécie de parque temático artístico-antropológico. 

Precisamos falar sobre imagens

Laura Erber

15.12.14

A cena de um grupo de jovens de costas para quadro de Rembrandt viralizou recentemente. Compartilhá-la significava compartilhar também a ideia de que certo mundo perceptivo teria chegado ao fim. Mas a foto mostra que a pintura sempre retorna para assombrar a imagem digital. E é emblemática de um problema atual: como chegar a fazer com que uma imagem seja realmente vista em meio à algazarra do que é visível hoje?