Baden e Meira, o encontro do moderno violão brasileiro

Música

26.09.13
Meira, Dona Elza e Baden Powell (Acervo IMS)

Meira, Dona Elza e Baden Powell (Acervo IMS)

A fotografia impressiona. Meira parece um totem. Dona Elza, seu anjo da guarda. E o Baden menino se eleva como uma estátua em homenagem ao violão. Meira e Baden foram os principais artífices do moderno violão brasileiro. Não falo de melodia e harmonia ao me referir a essa modernidade, nem acho que fizeram o trabalho sozinhos. Falo do que buscaram em suas ancestralidades para fazer, com o violão, o que ninguém tinha feito em nenhum lugar do mundo. Eu me refiro aos tambores e chocalhos de índios, negros, caboclos e cafuzos, que os dois encantaram e fizeram caber nas seis cordas de seus violões. A rítmica dos violões de Meira e Baden divide as águas do nosso violão.

Eu ainda não tinha nascido quando essa foto foi tirada. Deve ser de 1946. Meira com 36 anos, Dona Elza com 26 e Baden com 9. Provavelmente foi o ano em que Baden ganhou seu primeiro prêmio, num programa de calouros chamado Papel Carbono, solando o “Magoado” de Dilermando Reis.

Não conheci essa casa da foto. Quando fui estudar violão com Meira, vinte e cinco anos depois, ele já morava na casa-monumento-em-homenagem-à-música, com pentagramas e claves de sol trabalhadas em ferro em todas as portas e janelas. (Ali outro menino chegaria, dez anos depois, também para estudar com Meira: Rafael Rabello). Mas reconheço perfeitamente essa atmosfera. O olhar distante do Mestre, que parecia enxergar muito além, o carinho e a doçura de Dona Elza, paciente e dedicada companheira do professor que me recebia em casa como a um membro da família.

Meira gostava de contar histórias do Baden, como a do dia em que ele chegou querendo tocar o “Voo do besouro” no violão. Tinha 9 anos. Meira ria quando se lembrava da abençoada falta de limites do menino Baden. Várias vezes, em shows e entrevistas, vi o Baden rasgar elogios e palavras de reconhecimento ao Mestre.

Uma vez fui a uma master class do Baden. Foi no Festival de Música de Curitiba, onde eu tinha ido trabalhar como professor de violão. Levei meus alunos. Baden não estava bem. Abatido, com um fio de voz tentava conduzir um papo que se arrastava monótono, quase constrangedor. Eu sabia que aquele não era o Baden, meus alunos não. Resolvi intervir e perguntei:

Baden, qual foi a importância que o Meira teve pra você?

Ele se transformou, como se tivesse recebido uma carga de energia. A voz mudou, começou a tocar o “Samba da benção” fazendo mil levadas diferentes, os tambores chegaram, Baden convidou meus alunos a tocarem com ele e o que se viu foi essa luz, que ilumina o Meira na foto, clareando o ambiente sombrio do Teatro Paiol. A simples lembrança do Mestre operou o milagre.

As aulas do Meira e os discos do Baden me deram o norte. Tento passar aos violonistas mais jovens esse caminho.

Dona Elza, pequena, bonita, animada, poucos meses depois da morte do Meira estava preenchendo um volante da loteria esportiva quando seu coração parou. A saúde era ótima, o que teria acontecido? Dizem que foi enfarte. Eu sei que foi saudade. Quem olhar bem para essa fotografia vai concordar.

Meira e Mauricio Carrilho

Meira e Mauricio Carrilho

* Mauricio Carrilho é violonista.

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