Não é lenda. Se não fosse a rapidez de Heloísa Ramos, a segunda mulher de Graciliano Ramos, que correu à lixeira para resgatar os originais de Angústia, e o empenho de Rachel de Queiroz, que lutou pela publicação desse romance lançado em 1936, a literatura brasileira teria perdido aquela que é para muitos a obra-prima do escritor alagoano.
Rachel contou o episódio em entrevistas e na crônica “Centenário de Graciliano”, publicada em O Estado de S. Paulo de 17 de maio de 1992 e reproduzida neste post. Abre-se aqui um parêntese para o final do texto, quando Rachel, referindo-se aos “bons tempos”, confessa que 1935 foi o pior ano da sua vida. O leitor pode estranhar a informação dada assim, sem justificativa e um pouco fora do assunto. É que naquele ano ela perdera a única filha, Clotilde, que viveu apenas um ano e meio. Rachel não teria mais filhos.
Voltando a Angústia, se alguém duvidar da versão dada por ela na crônica, basta ler a dedicatória do autor no exemplar do romance pertencente a ela, conservado em sua biblioteca, sob a guarda do Instituto Moreira Salles:
Rachel: este livro não é meu: é nosso. O seu trabalho para arrancá-lo foi pelo menos igual ao meu, sem exagero. Diga-me uma coisa: por que é que você não transforma em romance o “Retrato de um brasileiro”? Seria admirável. Abraços Graciliano. Rio, 1947.
“Retrato de um brasileiro”, mencionada por Graciliano na dedicatória, é uma crônica de Rachel de Queiroz publicada em O Jornal, em junho de 1945. Traça o perfil de um morador da Ilha do Governador, dono de uma criação de frangos e de vida afetiva muito movimentada. Foi escrita no mesmo ano em que a autora se mudou para a ilha onde escreveu seu primeiro romance urbano, O galo de ouro, publicado em folhetim em O Cruzeiro, em quarenta edições, e só em 1985 em formato de livro.
* Elvia Bezerra é coordenadora de literatura do IMS.