Literatura

A arte de perguntar

Guilherme Freitas

21.03.17

Para Robert Silvers, morto na segunda aos 87 anos, a The New York Review of Books era uma extensão da própria casa. Para não deixar dúvidas, ele mantinha uma cama nos fundos do escritório.

Algo tão irrelevante quanto a realidade

Camila von Holdefer

15.02.17

As boas intenções, como prova o exemplo de Florence Foster Jenkins, não servem como fator atenuante no caso de um resultado desastroso. Entre a concepção e a realização, e não apenas na criação artística, há um longo caminho a ser percorrido. Com a valorização do discurso fácil que procura recompensar aqueles que, a despeito das dificuldades e das limitações, resolvem perseguir seus sonhos, como se a capacidade de idealização devesse se sobrepor à capacidade de realização, a guinada à brandura é previsível. A condescendência na crítica, porém, não vai nos levar muito longe.

Escritor sem pais nem filhos

Ronaldo Bressane

17.01.17

A reedição dos romances do mineiro Campos de Carvalho, morto em 1998, recoloca a questão: como um escritor de imaginação tão poderosa é ainda desconhecido no Brasil?

Encontro com Dois irmãos

Mànya Millen

09.01.17

Em 2001, Milton Hatoum participou da série O escritor por ele mesmo, promovida pelo IMS. Na ocasião, leu trechos do primeiro livro, Relato de um certo Oriente, vencedor do Jabuti de melhor romance, e também do igualmente premiado Dois irmãos, que chega às telas da TV Globo nesta segunda-feira, dia 9, na minissérie homônima com texto da roteirista Maria Camargo e direção artística de Luiz Fernando Carvalho.

A ousadia literária de 2016

Mànya Millen

26.12.16

Aviso: esta não é uma lista de melhores livros do ano. Listas costumam ser encaradas com desconfiança, e não sem razão. Este também não é um apanhado (quase sempre chatíssimo) do mercado editorial brasileiro em 2016. Este texto não é igualmente uma lista das perdas de grandes personagens do mundo literário, embora elas tenham sido muitas e sentidas. Estas linhas são para ressaltar que 2016 foi o ano em que a literatura galgou um novo patamar, e a ousadia foi referendada justamente pela mais vetusta e pomposa das instituições: a Academia Sueca.

O poeta-gentleman e os galhofeiros

Bolívar Torres & Rafael Monte

21.11.16

No dia 7 de dezembro de 1919, o Assyrio, elegante restaurante do Theatro Municipal, foi palco de um dos mais bizarros eventos literários da história do Rio de Janeiro.  Deslumbrado com os cumprimentos ao seu mais novo livro, Poesias, Carlos Alberto de Sá Magalhães, ou simplesmente Carlos Magalhães, ofereceu um banquete em sinal de reconhecimento aos homens de letras que haviam consagrado sua obra. Até então obscuro no meio intelectual, conhecido somente nos salões aristocráticos da cidade, seu nome ganhara, nas semanas anteriores, um súbito destaque da crítica literária local, sempre acompanhado de superlativos e expressões mirabolantes.

Tradução, poética do improvável

Rogério Bettoni

10.11.16

Talvez essa seja a primeira lição que a gente aprende quando começa a traduzir: que tradução é “quase a mesma coisa”, princípio que dá título a um livro de Umberto Eco sobre o tema. E qualquer livro que caia nas mãos de um tradutor iniciante será um desafio de redescoberta da linguagem e de suas possibilidades, seja um livro de autoajuda, um romance cor-de-rosa ou um texto de filosofia.

‘Sou um poeta e sei disso’

Guilherme Freitas

13.10.16

Nos últimos anos, quando o nome de Bob Dylan era cotado para o Nobel de Literatura, sempre havia quem protestasse contra a possibilidade de o maior prêmio literário do mundo ser concedido a um compositor. Nesta quinta, a Academia Sueca enfim o reconheceu como criador de “novas expressões poéticas dentro da grande tradição da canção americana”, encerrando uma polêmica que, a rigor, nunca fez sentido. Afinal de contas, Dylan foi aceito como poeta desde o início de sua carreira musical por ninguém menos que Allen Ginsberg.

Quando tudo desmorona

Camila von Holdefer

10.10.16

"Se você entendeu Elena Ferrante facilmente, você não entendeu nada", afirma Camila von Holdefer em texto sobre Dias de abandono, romance de 2002 da celebrada autora italiana lançado no Brasil neste ano pela Biblioteca Azul, em tradução de Francesca Cricelli. "Vejo em Ferrante alguém brilhante que jogou habilmente o jogo".

Obscuros de estimação

Daniel Pellizzari

03.10.16

Escrever é uma coisa, ser lido é outra. Alguns escritores dão o melhor de si, produzem uma obra consistente, e quase ninguém percebe. Outros autores fazem um sucesso estrondoso enquanto vivem e acabam esquecidos pouco depois de morrer, por motivos muitas vezes insondáveis. Se incluirmos as notas de rodapé e as anotações nas margens das páginas, a história da literatura é formada em sua maior parte por escritores que ninguém lê, ou que ninguém jamais leu, ou que de repente pararam de ser lidos. As manhas e humores da peneira do cânone, esta quimera, escapam a qualquer tentativa de delimitação. E mesmo o conceito de obscuro varia bastante: o desconhecido de um país pode ser a estrela de outro, e há quem fique realmente embasbacado ao saber que o autor X, que ele tanto aprecia, é um perfeito estranho para quase todas as outras pessoas.