O tempo da rua

Artes

12.05.13

"Street", de James Nares

Paradas ou caminhando lentamente, as pessoas parecem destacadas das ruas – como na mais sofisticada tecnologia 3D ou nas imagens nostálgicas da estereoscopia. Comer, apontar ou acenar são gestos que parecem carregados de esforço. Alguns olham fixamente para a câmera, que passa num travelling infinito sempre do ponto de vista de alguém que anda de carro pelas ruas. Não é raro que, aqui e ali, a banalidade acachapante do dia a dia seja comovente. E, sempre, o tempo todo, tudo está carregado de uma profunda melancolia.

Assim é a Nova York que aparece em Street, vídeo do artista James Nares mostrado pela primeira vez na cidade que o inspirou. Em exibição no Metropolitan até 27 de maio, é um sopro de inteligência e estranheza num museu espetacular que, para ganhar público, está apelando para a cafonérrima mistura de vestidos e obras-primas da pintura em Impressionism, fashion, and modernity, um mau-trato póstumo e dispensável a Manet & companhia.

Como em todas as obras desse tipo, a descrição de seu procedimento diz pouco ou quase nada do resultado. Nares, que é pintor e fotógrafo, passou uma semana em 2011 filmando as ruas da cidade onde vive há quase 40 anos (ele é inglês) com uma câmera de alta definição e precisão. Usado com mais frequência para registrar belos e tediosos voos de insetos ou aves, o equipamento foi apontado desta vez para a fauna de Manhattan, muito mais interessante. Ao editar, reduziu brutalmente a velocidade das tomadas, conseguindo o efeito impressionante que é, no entanto, apenas o prodígio técnico de seu trabalho.

"Street", de James Nares

Boa mesmo é a edição, que ao reduzir a uma hora o material bruto dá uma continuidade estranha ao passeio desse flâneur high-tech pelas ruas da cidade. Um percurso acompanhado pela trilha sonora obsessiva e hipnótica composta e executada, no violão, por Thurston Moore, guitarrista do Sonic Youth. Essa boa amostra do que é Street fica, no entanto, aquém da experiência de vê-la em museu ou galeria, numa tela gigante em que a escala dos personagem quase coincide com a dos visitantes. Não é espetáculo a que se assista tampouco num cinema, pois parte da graça é caminhar, ver de outro ângulo, sentar no chão.

O Met, que recebe o trabalho depois do Saint Louis Art Museum e do Wadsworth Atheneum, de Hartford, deu a Nares ainda uma bênção para qualquer artista: escolher em seu acervo obras que, expostas em duas salas contíguas ao vídeo, iluminem de alguma forma sua intervenção na cidade. Em algumas das obras, legendas reproduzem trechos de conversas de Nares com os curadores do museu explicitando suas escolhas, que incluem fragmentos arqueológicos, fotografias, gravuras, esculturas e filmes.

"Street", de James Nares

Evidentemente, Nares não se inspirou diretamente nessas imagens. Mas a montagem delas com seu filme desperta as mais diversas e interessantes associações, como a superposição de seus personagens anônimos com figuras de Giacometti, os lapsos de tempo entre a Nova York de hoje e as de Berenice Abbott e Walker Evans, o confronto de seu olhar com os estudos sobre o movimento de Eadweard Muybridge e as figuras humanas de Degas e Diego Rivera.

É perfeitamente possível – e talvez até mais desejável – simplesmente se deixar levar pelas imagens de Street. Elas radicalizam aquilo que Walter Benjamin já havia vislumbrado no nascimento do cinema, a liberação de um “inconsciente ótico”, de uma percepção que estaria latente a olho nu e que só se mostra pelas intervenções da câmera e de seus recursos. Ao manipular o tempo – e, por consequência, o espaço – James Nares modifica a experiência e o sentido de uma grande cidade sem nostalgia ou idealização: a beleza desse caos está, inapelavelmente, nele mesmo.

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