Oficina Literária Flip/serrote

IMS na Flip

07.07.13

A Oficina Literária Flip/serrote aconteceu entre os dias 4 e 6 de julho, em Paraty, durante a 11ª Flip. Dezessete alunos previamente selecionados participaram do curso, que neste ano foi dedicado ao ensaio, gênero experimental que trafega no limiar entre a literatura e o jornalismo. Coordenado por Paulo Roberto Pires, editor da revista serrote, as aulas também contaram com as participações especiais dos ensaístas Francisco Bosco (Brasil) e Geoff Dyer (Inglaterra). O áudio integral dos encontros está disponível no site da Rádio Batuta, e pode ser acessado através dos links deste texto.

Paulo Roberto Pires iniciou o primeiro dia de atividades definindo o ensaio como o reino dos não especialistas, o gênero por excelência dos diletantes e curiosos, no qual muitas vezes vem à tona uma certa “estética da derrota” e a busca pela originalidade acima de tudo nunca está em primeiro plano: um ensaísta costuma ter a capacidade de se interessar por temas considerados de segunda linha e é capaz de se entusiasmar com temas já abordados por outros autores. Além disso, não pretende vender respostas nem tem intenção alguma de esgotar seu tema (e nem ao menos de se limitar a ele), indo apenas até o ponto que lhe interessa.

Em seguida foram apresentados conceitos de diversos autores sobre o gênero, e as definições se mostraram tão variadas quanto as possibilidades abertas pelo texto ensaístico. Para Adorno, o ensaio “eterniza o transitório”, enquanto Susan Sontag apresenta o ensaísta como alguém que escreve para ser arauto da certeza que não tem e nem está perto de ter. Passando aos fundamentos históricos do gênero, o gesto inicial de Montaigne, o primeiro ensaísta, de escrever em primeira pessoa usando francês coloquial ao invés do latim, a língua do mundo culto europeu no século XVI, é apresentado como um movimento de desafio ao mundo hierarquizado: o ensaísta prescinde de autorização para escrever e trabalha com a indecisão e o risco.

A partir de Montaigne, Paulo Roberto Pires apresentou seis princípios (segundo ele, arbitrários como num ensaio) do gênero, dentre eles a voz do leigo, a indisciplina, a curiosidade profissionalizada e a honestidade intelectual, que dá abertura para o diálogo. A viagem do ensaio da França para o resto do mundo foi apresentada tendo como ponto inicial os textos de Francis Bacon. Baseados em polos opostos aos dos ensaios de Montaigne, consolidaram a versatilidade do gênero e lhe concederam autonomia. No Brasil, país de “índole ensaística” todavia definida como “involuntária”, o ensaio assumiu diversas vertentes, dentre elas o “ensaio como explicação”, que tem como exemplo as obras de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Hollanda.

O convidado do dia, Francisco Bosco, iniciou sua participação falando sobre sua trajetória e narrando sua transição de poeta, autor de três livros renegados, a ensaísta, trabalho em que busca o encontro entre o tempo meditativo do ensaio com o ritmo mais acelerado do jornalismo diário. Segundo Bosco, suas colunas (definidas como “ensaítos” por Caetano Veloso) se distinguem da crônica por lidarem sempre com questões concretas, ao mesmo tempo em que mantêm um compromisso com o comum. Interessa a ele a inconsequência do ensaio, a falta de compromisso com se inscrever numa determinada disciplina.

Paulo Roberto Pires abriu o segundo dia da Oficina falando sobre os dezoito subtipos do ensaio, classificação definida por ele como “uma completa insanidade”. Em seguida apresentou mais cinco princípios (também apresentados como arbitrários) que norteiam o ensaio como atitude em meio aos outros gêneros, e a partir dos quais é possível deduzir orientações práticas para a produção ensaística:

1. Eleger um tema ou objeto é eleger uma forma.
2. O objeto é associado a vários contextos possíveis.
3. A exposição alterna narrativa e meditação na forma de digressões.
4. O ponto de vista associa voz pessoal e curiosidade.
5. As frases elementares concentram o raciocínio.

Geoff Dyer começou sua participação especial mencionando que até mesmo um guarda-roupa pode ser um tema adequado para um ensaio. O ensaísta é um amador que divide sua perplexidade e interesses variados com os outros, e nessa “estupidez compartilhada” pode estar o caminho para se atingir o limiar da sabedoria. Em seguida, Dyer relatou como a tendência do ensaísta de trabalhar com combinações, reunindo elementos a princípio díspares em torno de um tema, podem levar a um resultado totalmente diferente da intenção original. Como exemplo mencionou seu livro Zona, sobre o filme Stalker, de Andrei Tarkóvski, que teve como ponto de partida a ideia de escrever sobre tênis.

No terceiro e último dia, Paulo Roberto Pires concluiu uma análise de “Sobre os canibais”, de Montaigne, iniciada na aula anterior. O ensaio tem como mote o encontro do autor francês com índios tupinambás levados do Brasil para serem exibidos como curiosidades humanas na França do século XVI, e sua frase elementar é “cada um chama de barbárie o que não é seu costume”.

A eleição de um fato episódico foi apresentada como ponto de partida para cercar essa anedota de contextos, buscando diversas conexões possíveis, muitas vezes de forma descosturada: ler um ensaio é como assistir a alguém pensando. Lançando mão de uma subjetividade extrema, o autor aproveita o mote para comentar a sociedade na qual estava inserido, como ao dizer que um dos índios demonstrou perplexidade com o fato de os pobres não se rebelarem contra a opressão dos ricos. Ao escrever “Sobre os canibais”, Montaigne não quer fechar questão, como exposto na anticonclusão do texto: “Mas ora, eles não usam calças”.

A segunda metade do terceiro dia foi dedicada à análise e orientação sobre os projetos de ensaio dos alunos, e não foi gravada para a Rádio Batuta.

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