O olhar errante de Geoff Dyer

serrote

29.03.11

Este artigo, publicado originalmente na revista The New Yorker (20/4/2009), trata do escritor inglês Geoff Dyer, que assina um ensaio na sétima edição da revista serrote e ministra palestra nos dias 29 e 31 no IMS-RJ e no IMS-SP.

De Veneza a Varanasi: o olhar errante de Geoff Dyer
Por James Wood
Tradução de Alexandre Morales

Walter Benjamin afirmou certa vez que toda obra grandiosa dissolve um gênero ou funda um novo. Mas será que as obras-primas têm monopólio sobre a novidade? E se um escritor tiver escrito diversas obras à altura da exigente definição de Benjamin, talvez nem todas grandiosas, mas tão diversas umas das outros, tão peculiares ao seu autor e tão inimitáveis que cada qual fundasse seu próprio gênero imediatamente autodissolvente?

O escritor inglês Geoff Dyer se delicia em produzir livros que são únicos, assim como as chaves. Não há nada em lugar algum que se pareça com a sua rapsódia semificcional sobre o jazz, But beautiful [Mas bonito], nem com seu livro sobre a Primeira Guerra Mundial, The missing of the somme [A perda do Somme], nem com seu ensaio autobiográfico sobre D. H. Lawrence, Out of sheer rage [De pura raiva], nem com seu livro de viagem ensaístico Ioga para quem não está nem aí.

Podemos apontar os antecedentes e as influências de Dyer – Nietzsche, Roland Barthes, Thomas Bernhard, Milan Kundera, John Berger, Martin Amis -, mas não seus rebentos literários, já que sua obra é tão incansavelmente variada que se muda para alhures antes que possa constituir uma família. Ele combina ficção, autobiografia, escritos de viagem, crítica cultural, teoria literária e uma espécie de lamúria cômica inglesa. O resultado deveria ser um monte de terra e palha mutante, mas é quase sempre uma curtição amalucada e engenhosa.

O sexto livro de Dyer, Out of sheer rage (1997), firmou a dicção característica de sua obra recente: uma investigação divagante, de certo modo intensa e preguiçosa, em que o autor não exatamente persegue seu objetivo, mas o espreita, como um garoto ocioso e esperto numa esquina. Dyer queria escrever um livro analítico sobre D. H. Lawrence, mas toda vez que tentava começar via-se distraído por algo. Primeiro, a ideia de escrever um romance:

Embora eu estivesse decidido a escrever um livro sobre Lawrence, também estava decidido a escrever um romance, e ainda que a decisão de escrever um livro sobre Lawrence tivesse sido tomada depois, não suplantou inteiramente a decisão anterior. De início tive um impulso muito forte de escrever ambos os livros, mas essas duas aspirações foram consumindo uma à outra até o ponto em que não fiquei disposto a escrever nem uma coisa nem outra.

Depois, veio a questão de onde escrever – ou melhor, deixar de escrever – o livro sobre Lawrence:

Na verdade, um dos motivos pelos quais ficou impossível dar início fosse ao livro sobre Lawrence, fosse ao romance, foi o fato de que eu estava muito preocupado com onde morar. Eu poderia morar em qualquer lugar; só precisava escolher, mas era impossível escolher porque eu poderia morar em qualquer lugar.

Dyer vai para Roma, onde mora a sua namorada, mas em Roma faz calor demais para se fazer qualquer trabalho, e o casal se refugia numa ilha grega. Mas as coisas não melhoram nem um pouco ali. Ele fica distraído lendo Rilke, o que a princípio o anima, mas depois até a leitura de Rilke fica custosa:

Eu tinha imaginado que depois de trabalhar no meu livro sobre Lawrence pelas manhãs, eu passaria as tardes jogando tênis, mas ali não havia quadra nenhuma, e assim, depois de passar as manhãs não escrevendo meu livro sobre Lawrence e não lendo Rilke, eu passava as tardes não jogando tênis.

Os leitores de Thomas Bernhard vão reconhecer um familiar vaudeville de aflição, no qual toda possibilidade é obscurecida por sua negação e nada pode ser concluído, já que tudo sempre está sendo incessantemente reiniciado. Bernhard é muito engraçado, mas a aflição (particularmente a ameaça de suicídio ou esgotamento nervoso) está sempre presente. Dyer é mais deliberadamente engraçado, e também mais leve, e Out of sheer rage representou uma aparentemente impossível anglicização do escritor austríaco. Assim como os últimos livros de Dyer – Paris Trance [Transe parisiense] (1998), um romance sobre dois britânicos de vinte e poucos anos que não conseguem fazer nenhuma coisa séria em Paris (um deles foi a Paris expressamente para escrever seu romance, é claro), e Ioga para que não está nem aí (2003), uma série de artigos ambientados em países como Tailândia, França, Líbia e Itália -, Out of sheer rage é uma obra de divertido e perplexo descumprimento do dever.

Para Bernhard, o que empata o trabalho é a atividade mental obsessiva; para os personagens de Dyer, é a liberdade negatória do tédio. Sempre é mais fácil não escrever do que escrever, e ao não escrever, a pessoa ao menos mantém viva a opção de voltar a escrever em algum momento. Tão logo a pessoa passa a não fazer absolutamente nada, porém, a situação lhe parece menos como uma libertação do que como uma prisão, cercada de muros por todos os lados pela possibilidade ilimitada (“Era impossível escolher porque eu poderia morar em qualquer lugar”). No mundo lastimavelmente autoanulante de Dyer, até a inatividade é uma espécie de atividade, e a vida se torna uma forma de “ioga para pessoas que não podem se dar ao trabalho de praticá-la”. Em Roma (o livro sobre ioga tem vários artigos ambientados ali), ou em Paris, ou em qualquer parte, a vida se reduz à estagnação: “Havia cada vez menos o que fazer, o que era tanto melhor porque eu tinha cada vez menos energia para fazer qualquer coisa”.

A obra de Dyer da década passada parece familiarmente pós-moderna. Gestos grandiosos são vãos, e em vez de trabalho pesado ou reflexão minuciosa há sexo e drogas, danceterias e vários tipos de música alucinante. Tudo é inacabável, tardio, filosoficamente crepuscular. A Ave de Minerva mal consegue levantar voo – decerto porque se tornou um pombo urbano gorducho, capengando entre cafés atrás de restos culturais. Os livros viram a si mesmos pelo avesso (como o Centro Georges Pompidou), exibindo seus mecanismos internos. O livro sobre Lawrence se torna um livro sobre deixar de escrever sobre Lawrence; o projeto de uma obra sobre as ruínas da Antiguidade (mencionado em Ioga) não dá em nada: “Algum dia, um livro desses iria jazer em ruínas ao meu redor”.

Evidentemente, porém, os livros de Dyer são mesmo escritos: livros interessantes sobre o tédio, livros de sucesso sobre o fracasso, livros completos sobre a incompletude. E pode-se perceber que Dyer, longe de exercer uma fácil resignação irônica, é efetivamente um romântico tardio, um flâneur saído de Rilke (mas com uma avinagrada pitada inglesa de Kingsley Amis), ansioso por experienciar tanto quanto possível, por viajar e se apaixonar e conhecer novas pessoas, e precavido com escrita e leitura, pois, ainda que preservem tais experiências, elas o fazem sob um distanciamento mimético. O problema para o romântico é que para ter algo sobre o que escrever ele precisa viver – ou seja, não ficar escrevendo. Não é à toa que D. H. Lawrence, o peregrino selvagem,[1] é o grande modelo de Dyer.

Assim, Dyer passou boa parte de sua vida deslocando-se (Londres, Paris, Roma, Oxford, Nova Orleans, Nova York), e boa parte da sua melhor escrita foi propiciada pela viagem. Ele aborda isso de maneira humorística em Out of sheer rage, mas a jocosidade inglesa não consegue obscurecer a intensidade do sentimento. Certa vez – escreve ele ali -, ele se viu caminhando por uma rua no norte de Londres, a rua onde morava Julian Barnes:

Eu não o vi, mas sabia que numa daquelas casas grandes, confortáveis, Julian Barnes estava sentado diante de sua escrivaninha trabalhando, como fazia todo dia. Parecia um insuportável desperdício de vida, da vida de um escritor especialmente, sentar-se diante de uma escrivaninha naquela bela e monótona rua no norte de Londres. Parecia, curiosamente, uma traição à ideia de escritor.

Passar uma vida escrevendo é uma traição à vida do escritor: Dyer sabe que isso é um paradoxo maluco, que até os românticos têm de se sentar diante de escrivaninhas enfadonhas, mas prefere ter seu surrado paradoxo a ter a asseada coerência de Barnes. E assim ele se levanta da escrivaninha e pega um avião ou um barco. Ele cita com aprovação Rebecca West e seu relato de como Lawrence chegava a um lugar – Florença, digamos – e de imediato começava a escrever sobre ele, ainda que o conhecesse pouco: “Ele estava escrevendo sobre o seu estado de espírito naquele momento, o que […] ele só poderia traduzir em termos simbólicos, e a cidade de Florença era um símbolo tão bom quanto qualquer outro”.

O último livro de Dyer, endiabradamente intitulado Jeff em Veneza, morte em Varanasi, apresenta-se como um romance, mas contém duas história longas, uma ambientada em Veneza e outra na cidade sagrada indiana de Varanasi (também conhecida como Benares ou Kashi), localizada às margens do rio Ganges. Essas histórias têm certas conexões fictícias, e o protagonista delas – um jornalista inglês de meia-idade enviado a uma das cidades a serviço – não é idêntico a Geoff Dyer. Geoff não é Jeff. Entretanto, as histórias parecem transcorrer dentro e fora da ficcionalidade de um modo que parece intencional: elas são uma combinação dyeriana de ensaio, livro de viagem e invenção, e a verônica da essência do autor pode ser vislumbrada por trás dos dois textos (uma nota nos informa que o autor esteve em Varanasi e em três bienais de Veneza).

O personagem central de Jeff em Veneza é Jeff Atman, um jornalista de Londres que cobre o mundo das artes. Ele detesta o seu trabalho, e se compraz em amargas procastinações:

De volta à casa, de volta à escrivaninha, a perene questão ressurgia: por quanto mais tempo poderia ele continuar fazendo aquele troço? Vinha por uns dois minutos a cada vez, mas por fim esses incrementos de dois minutos – pontuados por e-mails entrando e saindo – aumentavam. Meu Deus, que jeito miserável de ganhar a vida!

Ele vai a Veneza para escrever sobre a Bienal, e assim tem início uma réplica à célebre novela de Thomas Mann. Assim como o austero herói de Mann, o ilustre escritor Gustav von Aschenbach, o obscurantíssimo Jeff, que aos quarenta e cinco anos está ficando grisalho, tinge seus cabelos de preto. Assim como Aschenbach, Jeff Atman (o sobrenome é um termo hindu para “alma” ou “ser”, mas também gira em torno de “art man“, “adman“,[2] and “T. Mann”) espreita um objeto de adoração em Veneza – no caso dele, não um adolescente etéreo, mas uma americana bonita e sensual chamada Laura, com um golfinho tatuado na altura do ilíaco. Os dois ficam juntos, fazem um bocado de sexo e cheiram coca aos montes.

A sublimidade apolínea de Mann é cinicamente subvertida a cada momento da narrativa de Dyer. Veneza é um simulacro de si mesma, nada mais do que uma enorme instalação artística: “Todo dia, por centenas de anos, Veneza despertava e se revestia com essa aparência de ser um lugar de verdade, ainda que todos soubessem que ela só existia para os turistas”. Bandos de críticos de arte, artistas e parasitas chegam num clima de bacanal: “Vinha-se a Veneza, via-se uma tonelada de arte, ia-se a festas, bebia-se uma enormidade, falava-se besteira por horas a fio e voltava-se para Londres com uma ressaca acumulada, o fígado combalido, um notebook quase desprovido de anotações e o primeiro formigamento de um herpes labial”. Talvez as festas também sejam uma espécie de instalação: “Bem disse que soubera de fonte abalizada que naquela tarde serviriam baratas com cobertura de chocolate no pavilhão venezuelano”. Jeff reflete: “A instalação perfeita seria uma danceteria cheia de gente, com música chacoalhante, luzes de efeito, máquina de fumaça e quem sabe drogas incluídas. Poderia ser chamada de ?Danceteria’, e se funcionasse vinte e quatro horas por dia seria o grande sucesso da Bienal”.

Em essência, a brincadeira que se desdobra em Jeff em Veneza é esta: o que teria acontecido se Aschenbach tivesse conquistado o jovem Tadzio e mantido relações dionisíacas com ele? O sexo não teria então triunfado sobre a morte? (A novela de Mann termina com Tadzio parecendo acenar para o avelhantado lascivo, que se levanta da sua espreguiçadeira, tomba de costas nela e morre: ele literalmente não consegue levantar). O cinismo da história de Dyer seria insuportável se ela não fosse ferozmente engraçada e se não houvesse o idealismo recatado de Mann para contrastar. É a isso que chegamos, Dyer parece dizer, decorrido quase um século desde a época da novela anterior, “quando era impossível acreditar que sobreviria um tempo em que toda a preocupação das pessoas seria com risoto à farta para arrematar todos os bellinis à farta que estavam emborcando no jardim”.[3]

O vazio moral de Jeff em Veneza parece ainda mais devastador quando posto em relevo pela segunda narrativa, Morte em Varanasi. A primeira história é uma fluida correnteza de sexo e carnalidade; a segunda é dominada por um rio sagrado de vida e morte, o Ganges. A primeira se sacia em prazeres corpóreos; a segunda se esvazia dessas tentações (não há nenhum sexo nem se bebe muito, embora haja um pouco de consumo de droga). A história é narrada por um jornalista de meia-idade anônimo, que pode ou não ser Jeff Atman (ou Geoff Dyer, por falar nisso) e que foi a Varanasi, um dos locais mais sagrados da peregrinação hindu, para escrever uma matéria para um jornal londrino. Há elos com a história de Veneza do livro e com a história de Veneza de Thomas Mann. Os hindus acreditam que se alguém morre e é cremado em Varanasi poderá ser liberado do fardo do samsara, ou reencarnação. Desse modo, Varanasi é uma espécie de crematório sublime, e o Ganges fica quase atulhado com as cinzas dos corpos. Aschenbach significa literalmente [em alemão] “riacho de cinzas”.

Assim como em Veneza, o protagonista é um turista contemplador. Ele chega à cidade e imediatamente parte para o rio em chamas: “Fui até lá às pressas, para ver os corpos sendo queimados (ao se chegar a um novo lugar, não é mau negócio simplesmente fazer o que tudo mundo faz)”. Ele procura se instruir sobre o hinduísmo, mas fica boiando no assunto. Contudo, é atraído pelo conceito de “darshan” – a ideia de que “quanto mais damos atenção a um deus, quanto mais ele é olhado, maior é o seu poder, mais facilmente ele pode ser visto”. Dyer não precisa explicitar a conexão com o desejo de Atman por Laura e com o olhar fixo de Aschenbach no endeusado Tadzio. E, assim como em Veneza, tudo pode se assemelhar a uma instalação artística, até mesmo um monte de lixo visto de um riquixá:

Alguns porcos com ar de felicidade estavam fuçando um monte de lixo. Uma parte do refugo estava compactada embaixo como um piche escuro, um sedimento de sujeira concentrada, sujeira pura, sujeira sem impurezas, desprovida de tudo que não fosse sujeira. […] Em cima disso havia um sortimento de cravos-de-defunto amarronzados, pedaços de papelão encharcados (a não ser automaticamente desprezados como fonte calorífica) e excremento com aparência fresquinha (idem). A coisa toda era realçada por um resiliente ornamento de sacos plásticos azuis. À sua maneira, era uma potencial atração turística, uma manifestação contemporânea do ideal clássico de imundície. Fiquei muito empolgado com aquilo, tentado a pedir ao condutor que parasse para que eu pudesse ter uma visão melhor, quem sabe até tirar uma foto.

Ali onde Veneza suscita a revolta bruta de Atman, Varanasi desperta os grandes talentos descritivos de Dyer. Há observações esplêndidas, tanto pungentes com engraçadas. Um homem santo com uma barba “que dava a impressão de ter sido feita com o pêlo de um animal peludo, de origem mítica, próximo da extinção e absolutamente incontinente”. Mulheres “em sáris vermelhos e amarelos bruxuleavam feito labaredas suportando peso”. Numa cena muito engraçada, o narrador está andando por uma ruela estreita enquanto uma vaca é conduzida adiante dele. O rabo da vaca

estava tão encharcado de bosta quanto o pincel de um artista embebido em tinta. Mas só porque eu era eu com uma bela bunda limpinha e ela era uma vaca com um traseiro encrostado de bosta, isso não significava que eu não tivesse sido ela – ou ela eu – numa vida passada. Nós poderíamos trocar de lugar num instante. O valor das nossas ações no grande Samsara-Nasdaq pode tanto subir como descer.

Como se estivesse pensando a mesma coisa, a vaca acerta a boca do narrador com o seu abanante rabo encrostado de bosta.

Contra as expectativas, e contra a corrente da história de Veneza, Varanasi tem um grande impacto sobre o jornalista inglês. Inicialmente com reservas para cinco pernoites, ele se muda para um hotel que dá para o Ganges e ali fica semana após semana. O tempo se esvai. Ele perde seu passaporte. Raspa a cabeça e as sobrancelhas, como faz um indiano em luto, e passa a vestir um dotim. Nada no cinério Ganges. Anteriormente, ele tinha visto um cão tão coberto de vergões e chagas que só se coçava o dia inteiro: “O terrível samsara de comichar e coçar, comichar e coçar”. O leitor é inevitavelmemte levado a pensar em Jeff em Veneza, uma história de compulsivo comichar e coçar. No final de Morte em Varanasi, o narrador parece encontrar um sossego religioso para esse comichar e coçar: “Não renunciei ao mundo; apenas fui ficando cada vez menos interessado em certos aspectos dele, menos envolvido com ele”.

Esse autoesvaziamento religioso pode parecer uma súbita guinada na obra de Dyer, habitualmente hilariante e mundana. Mas na verdade a metafísica do tédio leva naturalmente à metafísica do shanti.[4] Nos livros anteriores, os personagens deixavam de escrever não porque ficassem indiferentes à escrita, mas porque queriam muito escrever. A liberdade negatória expressa um temor da finitude: se jamais damos início a uma obra, pelo menos não há nenhuma possibilidade de que a finalizemos. Terminar alguma coisa é de certa forma fazê-la desaparecer; não dar início a ela é um golpe preventivo contra a perda, uma maneira de fazer uma elegia sobre aquilo que ainda não desapareceu (de modo significativo, Dyer passou a escrever cada vez mais sobre epitáfios: ruínas, cemitérios e fotografias, que são epitáfios de um momento congelado).

O tempo é aquilo que nos preenche, e o tempo é aquilo que nos compele à interminável repetição que é o tédio, à tirania do hábito. Viagens, sexo e drogas – os interesses recorrentes de Dyer – são formas de enganar o tempo, são momentos fora do tempo. “Por alguns minutos tudo parecia possível”, escreve Dyer sobre ficar chapado em Roma. O barato, reflete Jeff Atman, era “como uma versão condensada de tudo o que ele sempre quisera da vida”. O barato pode ser visto como uma maximização da liberdade negatória, onde tudo realmente pode ser puro potencial. O filósofo e aforista E. M. Cioran escreve: “O tédio, com má reputação pela frivolidade, apesar de tudo nos permite vislumbrar o abismo do qual emana a necessidade de fervor”. Nesse original, tocante e insólito livro, é assim que Geoff Dyer deixa seu narrador: afundando-se fervorosamente no tédio.

* James Wood resenha livros na revista The New Yorker desde 2007 e leciona na Universidade Harvard, onde é professor de Prática da Crítica Literária

NOTAS

[1] No original, “the savage pilgrim“: subtítulo da biografia de D. H. Lawrence escrita por Catherine Carswell e publicada em 1932. [N.T.]
[2] Respectivamente, “homem das artes” e “publicitário”. [N.T.]
[3] Bellini: coquetel feito com suco de pêssego e vinho espumante, originado em Veneza. [N.T.]
[4] Shanti: palavra derivada do sânscrito que denota “paz”, “sossego”. [N.T.]

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