Otto Lara Resende e o exercício de reescrever

Por dentro do acervo

08.10.12

O perfeccionismo de Otto Lara Resende fica evidente por meio das marcas deixadas por ele nos documentos e livros de seu acervo, guardado pelo Instituto Moreira Salles desde 1996. Com desmedida devoção aos detalhes de seu próprio trabalho, o escritor e jornalista não se contentava apenas com as alterações nos manuscritos. Riscava e reescrevia também trechos em suas obras já impressas.

Alterações feitas por Otto no livro Boca do Inferno, 1957

Otto, que estreou na literatura em 1952, aos 30 anos, com O lado humano, publicaria a segunda coletânea de contos, Boca do inferno, cinco anos depois. Em vez de optar pela visão romântica da infância, que mostra as crianças como inocentes e inconscientes dos próprios atos, nas sete narrativas de Boca do Inferno o autor retratou seus pequenos personagens como seres capazes de pensamentos cruéis e atitudes perversas.

A obsessão de Otto pela perfeição da forma ressalta nos rabiscos das páginas já impressas de Boca. Em um dos cinco exemplares guardados pelo autor, há anotações abundantes em dois contos: “Filho de padre” e “Três pares de patins”. Não sabemos quando ele fez tais alterações, mas, ao modificar nomes de personagens riscar e cortar palavras, o escritor demonstra uma tentativa compulsiva de tornar a leitura mais fluida.

Em “Três pares de patins”, os nomes das personagens Juçara e Renato foram sumariamente riscados em todas as páginas e substituídos por Débora e Francisco. No mesmo conto, no final da página 93, ele riscou uma linha e meia e a substituiu por uma única e curta frase, sem prejuízo do sentido. Ao contrário, a concisão o fortaleceu. Eis o trecho original:

“O cordão com medalhas, passado no pescoço, ficou balançando no ar. Olhou Juçara, ela estava imóvel e conformada como a vítima prestes a ser imolada.”

O resultado da substituição é o seguinte:

“Débora permanecia passiva como a vítima prestes a ser imolada.”

Página 93 do livro Boca do Inferno, 1957

Não só as mudanças feitas na página 93, como todas as inúmeras alterações em Boca de inferno foram respeitadas na tardia reedição desse livro, em 1998, seis anos após a morte do autor.

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