Bernardo Carvalho

Vaia ecumênica

Bernardo Carvalho

14.09.16

A vaia a Temer na abertura dos Jogos Paraolímpicos ganhou assim um sentido maior, ético, a favor da democracia, para além de ideologias e partidos. Foi um protesto contra aproveitadores e impostores, diante do espetáculo incontestável de pessoas decididas a vencer por mérito próprio e a lutar contra os limites e preconceitos que as impedem de gozar dos mesmos direitos, da mesma visibilidade e do mesmo respeito garantido, em princípio, ao resto da sociedade.

Uma criança grande demais

Bernardo Carvalho

01.09.16

Há relatos sobre Robert Walser, durante sua passagem por Berlim entre 1905 e 1913, que o comparam a uma criança gigante, inconveniente, que conta piadas que ninguém entende e ri fora de hora. O humor e o drama dos textos de Walser vêm dessa inconveniência. Os personagens estão sempre ligeiramente fora do lugar. É ao mesmo tempo engraçadíssimo e inconsolável.

Moralismo automatizado

Bernardo Carvalho

03.08.16

Sem nenhum aviso prévio, o Google tirou do ar o blog mantido havia dez anos pelo escritor americano Dennis Cooper, autor de uma prosa radical e perturbadora, e cancelou sua conta de email. Todas as tentativas de obter uma explicação foram ignoradas. O que mais assusta nesse exemplo é a suposição, por uma empresa em princípio jovem, moderna e liberal, de que deve haver limites, sem distinção para a arte e a literatura, na exploração de certas áreas do espírito humano; a suposição de que haja aspectos do espírito humano que devem ser mantidos na sombra e em silêncio.

Distopia da distopia

Bernardo Carvalho

20.07.16

"É irônico que as ficções científicas fiquem tão datadas, por mais proféticas que sejam. Todo filme de ficção científica está de certa forma condenado a uma representação paroxística do seu tempo, ou seja, a fazer uma estilização do passado que só o espectador do futuro será capaz de ver", diz Bernardo Carvalho. "Fassbinder parecia ter consciência dessa sina e jogar com ela ao conceber um futuro deliberadamente retrô e ultrapassado para caracterizar o mundo virtual criado pela grande corporação em O mundo por um fio. É um mundo povoado por "unidades identitárias", homens e mulheres aos quais não ocorre que sejam meras criações de computador."

Topografia da imaginação

Bernardo Carvalho

06.07.16

Bernardo Carvalho comenta três filmes que enfocam por diferentes ângulos Il Grande Cretto (A Grande Rachadura), concebido nos anos 1980 por Alberto Burri (1915-1995) sobre as ruínas de Gibellina, uma cidadezinha na Sicília que desapareceu num terremoto em 1968. Ficaram os escombros. Uma nova cidade foi construída a 18 km dali, com a colaboração de artistas do mundo inteiro, e logo se converteu num lugar medonho, uma cidade fantasma com cara de conjunto habitacional, um monstro da arquitetura planejada e um equívoco artístico.

Oscilação da luz

Bernardo Carvalho

08.06.16

Chantal Akerman se matou dezoito meses depois da morte da mãe. Sofria de crises de depressão. A simbiose com a mãe era uma questão permanente em seus filmes. O silêncio da mãe sobre a experiência nos campos acabou encontrando na imagem dos filmes da filha, como Não é um filme caseiro, uma forma de expressão possível, como se os filmes fossem uma forma substituta, alternativa, de dizer esse silêncio.

Estrangeiro – quatro perguntas para Bernardo Carvalho

Equipe IMS

11.04.11

A condição de viajante, para Bernardo Carvalho, equivale à afirmação de uma individualidade que não pode ser submetida a nenhuma corporação, associação ou confraria, seja ela nacional, étnica, profissional ou familiar. É estar fora do lugar sempre.