Poucas bandas de pop contemporâneo passaram por tantas mudanças quanto a americana Of Montreal – ou pelo menos do gênero indie pop, um gênero por si só indefinível, pois o conceito de independente está em constante movimento, e Of Montreal é uma das provas desse movimento.
O grupo tem suas raízes fincadas no Elephant 6, um coletivo surgido na cidade de Athens, Geórgia, que pregava uma volta aos métodos de gravação sessentistas dos Beach Boys da época dos discos Pet Sounds e Smile. Desse meio, surgiram várias das bandas mais importantes da música “alternativa”: Neutral Milk Hotel (que, após lançar o já canônico In the aeroplane over the sea, desapareceu completamente, por loucura do músico Jeff Mangum), The Apples in Stereo, e outras que receberam muito destaque na época (isto é, em meados dos anos 90) e depois caíram no ostracismo, como Beulah e Olivia Tremor Control. Psicodelia, fuzz, distorção e bom humor: essas eram algumas das características dos grupos do Elephant 6.
Of Montreal não era exceção. Seus primeiros discos parecem homenagens/sátiras ao som dos Beach Boys. O humor era onipresente: desde um disco conceito que conta uma história fictícia sobre Dustin Hoffman em uma banheira até músicas sobre um filósofo anão e uma freira cheia de amor para dar. Tudo isso embalado em um pop fofinho não tão dissimilar de Belle & Sebastian.
http://www.youtube.com/watch?v=eyJVPx8tiiI
Em 2004, isso começou a mudar. Foi quando a banda lançou Satanic panic in the attic, disco que causou frisson na crítica especializada que considerava o coletivo Elephant 6 morto e enterrado. A chave para a ressurreição de uma banda do movimento talvez esteja no fato de que foi a partir desse álbum que Of Montreal começou a romper os dogmas que definiam o que era uma banda de Elephant 6. Satanic panic começa de forma ambiciosa, com uma pequena trilogia sobre o uso de LSD: primeiro a alegria com os primeiros efeitos (“Disconnect the dots”), depois o transe completo (“Lysergic Bliss”), e, por fim, uma tentativa desesperada de conseguir sair do estado alterado de consciência (“Will you come and fetch me”). No entanto, a faixa que pode ser vista como mais importante para a evolução da banda é “Rapture rapes the muses”. Nesta canção, Kevin Barnes e companhia usam mais recursos eletrônicos do que o normal e engatam uma batida dançante. Não deu outra: virou hit nas pistas. Deve ter sido aí, especulo, que Of Montreal notou que seu talento não era apenas para fazer piadas com referências eruditas em um som psicodélico.
A experimentação com sons eletrônicos se aprofundou em The sunlandic twins (2005) e o grupo chegou ao seu ápice criativo (de acordo com muita gente) no disco subsequente, Hissing fauna, are you the destroyer (2007). Apesar de não abandonar o humor e as referências (sim, sempre as referências – por bem ou por mal, Kevin Barnes é um entusiasta de namedropping, a ponto de você ficar esperando uma citação a Wong Kar-Wai, Georges Bataille ou Camus), Hissing fauna surgiu como um álbum devastadoramente confessional. Problemas graves no casamento, a dificuldade de manter a monogamia, problemas com antidepressivos (Nesta música ele afirma: “Chemicals / don’t strangle my pen” e “Come on moodshift / Shift back to good again”), abuso de substâncias, certa confusão sexual, tudo isso está lá. É um álbum de angústia masculina, um pouco imaturo, mas completamente desesperado. Um Pinkerton da nova década, quiçá.
http://www.youtube.com/watch?v=AAjwKiIqI7Q
Foi mais ou menos por essa época (OK, foi um pouco antes) que os shows do Of Montreal passaram a ficar realmente doidos. Não há outra expressão adequada. Doidos. Dançarinos que trocam de figurinos estapafúrdios, muita maquiagem, homens vestidos de mulheres. Kevin Barnes de sombra azul tocando nu no palco…
Todavia, desde o divisor de águas Hissing fauna, nada mais foi o mesmo. Os discos que vieram depois tentaram levar a experimentação pop para outros lugares – flertando com o funk e o soul – e os resultados são diversos. A confusão sexual se tornou o tema central quando Barnes dá voz ao personagem Georgie Fruit – uma espécie de Ziggy Stardust de Barnes, isto é, uma persona – que é um quarentão que passou por várias mudanças de sexo… Poderia funcionar de forma incrível, mas é praticamente consenso entre a crítica que nenhum dos discos novos chegou perto de Hissing fauna.
Mas então, como tudo isso se desenrolou ontem, em São Paulo, quando a banda subiu ao palco do Cine Joia?
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O show começou com a empolgante “Suffer for fashion”, mas de um modo um pouco esquisito: parecia que a acústica do lugar não combinava para o tipo de som da banda. Tais problemas desapareceram em seguida. Especulo os motivos: a) ajeitaram o som; b) a minha mudança para mais perto do palco melhorou a audição; c) parei de me importar. Logo na segunda canção (“The party is crashing us”), o público começou a pular e a dançar de forma bastante ritmada para uma multidão.
Dois dançarinos vestindo roupas que representavam sabe-se lá o quê entraram jogando balões para a plateia. A partir de então, foi só alegria. A banda emendou um hit após o outro, focando o repertório na fase mais bem-sucedida da banda (Hissing fauna e arredores), ignorando tanto o último disco como os primeiros. Teve chuva de papéis picados, performances malucas por parte dos dançarinos (que usavam cabeças de porco, roupas meio mexicanas, entre outros figurinos), guitarrista se atirando na plateia…
Para ser sincero, a parte teatral parecia muito um dos clássicos shows dos Dzi Croquettes. E não me impressionaria se Dzi Croquettes fosse uma referência direta de Of Montreal, afinal, o grupo já se disse fã de Os Mutantes. Para saltar de Mutantes a Dzi Croquettes é um passo. Outra possível definição para a performance do grupo americano é que parecia “um aniversário de crianças no qual você toma um ácido” (as aspas estão aí porque roubei a definição feita a um show dos Flaming Lips).
Nada do que acontecia no palco fazia muito sentido. De certa forma, muito da iconografia e das referências de Of Montreal não faz muito sentido, por mais que eles afirmem que cada figurinha nas capas de seus álbuns tem um motivo para estar ali. O show do Of Montreal acaba se tornando uma celebração do nonsense, do absurdo, e, por que não, da alegria de estar vivo. Se pararmos para pensar friamente, podemos cair no chororô de que a banda representa o vazio do pós-modernismo. Todavia, a opinião unânime das pessoas que assistiram ao show era de que não tinha como não sair radiante do evento.
E, ainda assim, o ponto alto do show (pelo menos para mim) foi a performance de “The past is a grotesque animal”, épico de 12 minutos que se encontra no centro de Hissing fauna. Ali está todo o desespero conjugal concentrado em uma canção pop. Claro, com algumas piadinhas e referências bastante gratuitas a História do olho, do contrário não seria uma música do Of Montreal. Mas, ainda assim, uma música confessional, romântica, daquelas de rasgar o peito, arrancar o coração e jogar no público. A platéia urrou a letra inteira, e a performance estendeu ainda mais a música, que terminou com muita distorção e microfonia. Uma alma caridosa filmou tudo e botou no Youtube (o áudio não está bom, mas dá para ter uma ideia):
http://www.youtube.com/watch?v=VqD46n8u2ww
Of Montreal pode ser levado tanto a sério como na brincadeira. Ontem, no Cine Joia, eles mostraram os dois lados. Até agora, não soube de ninguém que reclamou.
* Antônio Xerxenesky é redator do site do IMS.