Só pra saber

Colunistas

22.07.15

Se eu fosse uma criança recém-chegada ao Brasil, ia querer saber: Quem foi que pôs Eduardo Cunha na presidência da Câmara? Quem votou em Eduardo Cunha? É uma pergunta simples. E eu não ia parar de perguntar até que me explicassem como é que se faz política no Brasil.

Eduardo Cunha em entrevista coletiva/ J. Batista – Fotos Públicas

Se possível, gostaria de uma resposta convincente. Votaram contra a corrupção do PT? É mesmo? Ou foi por simples má-fé e oportunismo político? Não foi? Então, me expliquem como é que se combate corrupção com corrupção? Era o que tinha? Basta ver o histórico de presidentes da Câmara e do Senado? Se eu fosse uma criança recém-chegada ao Brasil, não ia parar de perguntar. Só pra saber se valia a pena ficar por aqui.

Num jantar recente, ouvi o seguinte comentário de uma senhora que só viaja em jato particular: “Que exemplo vamos dar às nossas crianças num país como este? Que horror! Aonde é que nós chegamos!”. Ela, que cresceu durante a ditadura militar, não estava falando de Eduardo Cunha, claro; estava falando da corrupção do PT. Uma semana depois, o marido estava na primeira página dos jornais, envolvido no mais novo escândalo de fraude fiscal do país do mau exemplo.

É o seguinte: Eu sou burro?

Não conheço ninguém, nem mesmo entre os amigos que um dia militaram pelo PT, que não esteja horrorizado com o que aconteceu no país, mas também não sou idiota. Não sou petista e estou pouco me lixando pro PT, mas paciência tem limites. Qual é o problema? Agora, é o Ministério Público, a Justiça e a Polícia Federal que se tornaram independentes demais e precisam ser controlados? Agora, que ganharam uma autonomia inédita na história do país? Controlados por quem? Por Collor, Renan Calheiros e Eduardo Cunha?

Volto a perguntar: Quem foi que pôs Eduardo Cunha na presidência da Câmara?

Praticamente ninguém no meu círculo de relações é a favor de Dilma. Tenho ouvido o diabo sobre a presidente, mas ultimamente me cansei do automatismo irrefletido do ódio. Ao chegar à casa de amigos para um almoço de aniversário, encontro os convidados rindo a valer da história da mandioca e da mulher sapiens, mais velha que minha avó (que, aliás, está morta). Os convidados repetem sem parar as mesmas frases e a mesma piada: Mandioca! Mulher sapiens! Quáquáquá! Claro. Com toda razão. Quáquáquá! Então, resolvo fazer a minha própria piada, porque aquela já está gasta e ninguém percebeu. Digo, no meio de todos, enquanto me sirvo: “Se eu pudesse, passaria o resto da vida votando só em Lula e Dilma, alternadamente, Lula e Dilma, para sempre”. Silêncio. Vejo rostos que se desfiguram. Ouço alguém dizer: Você não está falando sério. Você está de sacanagem. “Não! É sério. É tudo o que eu quero pra sempre”, respondo.

Há um novo momento de silêncio e um princípio de comoção. As senhoras mais velhas, quando não saem por conta própria, são retiradas do recinto. A mulher do aniversariante tenta aplacar os nervos dos convidados: “Calma, gente, ele é jornalista, não sabe o que diz!”. E de repente, desaparecidos os rostos vermelhos, sufocados por gritos contidos de indignação, eu me vejo só. Todos debandaram e agora se afastam ou viram a cara quando me aproximo, com o prato na mão, procurando uma mesa. Pelo menos, mudaram de assunto ou pararam de falar.

As mesmas pessoas, pela cabeça das quais nunca havia passado ir a uma manifestação pública, compareceram em massa à avenida Paulista quando foi para pedir o impeachment de Dilma, como quem vai à Casa Cor. “Não te vi por lá”, me disse meu professor de alemão, quando alguns dias depois nos encontramos para nossa aula semanal.

“Eu não fui”, respondi.

“Não foi?! Por que não foi?!”

Tentei explicar ao professor de alemão, que vive no Brasil há anos e nunca tinha ido a uma passeata, que não me sentia à vontade de participar de um protesto no qual também participavam grupos que defendem a volta da ditadura militar. E, para minha surpresa, meu professor perdeu a cabeça. Em vez de aula, tive de ouvi-lo esbravejar, em alemão, contra a corrupção e a canalhice da esquerda brasileira, durante uma hora, enquanto eu tentava defender meus direitos de aluno, em português.

Ao contrário do meu professor de alemão, até uma criança recém-chegada ao Brasil é capaz de entender que quem vota em Eduardo Cunha para a presidência da Câmara, independentemente da legenda à qual está vinculado, não só comete um suicídio, o que em certos casos seria até saudável, mas é irresponsável e inconsequente, pra dizer o mínimo, com alguma educação e com palavras publicáveis. A pergunta continua sendo a mesma.

Quem foi que pôs Eduardo Cunha na presidência da Câmara?

Só pra saber.

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