Colunistas

Nós, os americanos

Carla Rodrigues

21.09.16

Comecei a ver The Americans por indicação de um amigo, e logo me apaixonei pela combinação entre drama psicológico, contexto histórico, suspense e espionagem. Tramas de espionagem sempre me seduziram e sou capaz de suportar inúmeras patriotadas norte-americanas em nome de um bom suspense. Os espiões em The Americans carregam dilemas com os quais também nos confrontamos. Como viver uma vida autêntica, quem eu sou, até que ponto a nacionalidade, a ideologia, o gênero ou mesmo a profissão me define e identifica?

Vaia ecumênica

Bernardo Carvalho

14.09.16

A vaia a Temer na abertura dos Jogos Paraolímpicos ganhou assim um sentido maior, ético, a favor da democracia, para além de ideologias e partidos. Foi um protesto contra aproveitadores e impostores, diante do espetáculo incontestável de pessoas decididas a vencer por mérito próprio e a lutar contra os limites e preconceitos que as impedem de gozar dos mesmos direitos, da mesma visibilidade e do mesmo respeito garantido, em princípio, ao resto da sociedade.

Estas águas, este país

Carla Rodrigues

07.09.16

Não há lugar melhor do que o MAC para uma exposição sobre as águas da Guanabara, suas vidas e suas mortes. Localizado diante da entrada da baía, entre as duas fortalezas que a protegeram nos séculos XVI e XVII – Santa Cruz, do lado de Niterói, e São João, do lado carioca –, é parte do cenário da baía assim como a baía faz parte do museu, com suas janelas envidraçadas exibindo toda exuberância do que se pode chamar de ponto fundador não apenas do Estado do Rio de Janeiro, mas do Brasil como Estado-nação, suas vidas, suas mortes.

Uma criança grande demais

Bernardo Carvalho

01.09.16

Há relatos sobre Robert Walser, durante sua passagem por Berlim entre 1905 e 1913, que o comparam a uma criança gigante, inconveniente, que conta piadas que ninguém entende e ri fora de hora. O humor e o drama dos textos de Walser vêm dessa inconveniência. Os personagens estão sempre ligeiramente fora do lugar. É ao mesmo tempo engraçadíssimo e inconsolável.

Quatro crises por uma

Carla Rodrigues

24.08.16

O julgamento que começa nesta quinta-feira no Senado é resultado de um processo de impeachment, cuja legitimidade é questionada pelo uso de outra palavra, golpe. Como aconteceu em 1964, quando a polaridade era entre golpe militar ou revolução redentora, hoje a política se faz em torno da disputa por significantes. Participam deste discurso termos como crise, pacto e misoginia, evocado pelos movimentos feministas para mostrar o quanto há de discriminação contra uma mulher no poder. O problema das palavras é o que elas dizem das coisas e o que eventualmente elas omitem. Crise, por exemplo, por gasta, se esvaziou de seu sentido de tal modo que me parece necessário qualificá-la.

Margem de imprecisão

Bernardo Carvalho

17.08.16

Toda a obra de Velázquez é, como mostra Ortega y Gasset, um movimento discreto no qual a pintura deixa de ser representação da beleza para "se fazer substância", para se apresentar afinal como pintura ("pintura enquanto pintura"), condição da modernidade. Esse comedimento reflexivo, entretanto, se tornou estranho entre nós. Quem entende o valor da discrição hoje?

Moralismo automatizado

Bernardo Carvalho

03.08.16

Sem nenhum aviso prévio, o Google tirou do ar o blog mantido havia dez anos pelo escritor americano Dennis Cooper, autor de uma prosa radical e perturbadora, e cancelou sua conta de email. Todas as tentativas de obter uma explicação foram ignoradas. O que mais assusta nesse exemplo é a suposição, por uma empresa em princípio jovem, moderna e liberal, de que deve haver limites, sem distinção para a arte e a literatura, na exploração de certas áreas do espírito humano; a suposição de que haja aspectos do espírito humano que devem ser mantidos na sombra e em silêncio.

Quem conta a guerra são as mulheres

Carla Rodrigues

26.07.16

Para fazer o luto é preciso falar do luto, o que no caso dos mortos pela polícia, como no caso dos jovens de Costa Barros, implica também denunciar a violência do Estado. Entre os anos 2001 e 2011, o Rio de Janeiro registrou cerca de dez mil mortes em confronto com a polícia fluminense, conforme levantamento da OAB/RJ, muito bem nomeado de “Desaparecidos da democracia”. Sabemos que na Argentina são as Mães da Praça de Maio as mulheres que contam a guerra das ditaduras militares contra seus filhos. Sabemos que no Brasil foram as mulheres que lutaram pela Lei da Anistia, a fim de trazer de volta ao país seus maridos e filhos.

Distopia da distopia

Bernardo Carvalho

20.07.16

"É irônico que as ficções científicas fiquem tão datadas, por mais proféticas que sejam. Todo filme de ficção científica está de certa forma condenado a uma representação paroxística do seu tempo, ou seja, a fazer uma estilização do passado que só o espectador do futuro será capaz de ver", diz Bernardo Carvalho. "Fassbinder parecia ter consciência dessa sina e jogar com ela ao conceber um futuro deliberadamente retrô e ultrapassado para caracterizar o mundo virtual criado pela grande corporação em O mundo por um fio. É um mundo povoado por "unidades identitárias", homens e mulheres aos quais não ocorre que sejam meras criações de computador."

Nada é simples

Carla Rodrigues

13.07.16

Carla Rodrigues, sobre o Rio de Janeiro: "Basta olhar para a vizinha São Paulo para perceber o quão longe estamos da categoria metrópole. Temos os problemas urbanos de metrópole, é verdade, mas estamos muito longe de ter esboço de soluções. Aqui, historicamente a categoria cidade se sobrepõe à restritiva – cultural e socialmente – categoria Zona Sul, um pequeno e disputado pedaço de terra onde a concentração de bens e serviços faz supor que somos mais um balneário do que de fato uma metrópole."