O Museum für Fotografie realiza em Berlim, neste dia 26, a abertura oficial da exposição Modernidades fotográficas, com 224 imagens do acervo do Instituto Moreira Salles. É o primeiro projeto do IMS na Alemanha. O catálogo de Modernidades fotográficas será lançado no Brasil também em novembro.
O texto abaixo é trecho de um ensaio de Samuel Titan Jr., coordenador executivo cultural do IMS, que consta do catálogo da exposição. Aborda os trabalhos dos fotógrafos cujas fotos compõem a mostra: Marcel Gautherot (1910-1996), José Medeiros (1921-1990), Thomaz Farkas (1924-2011) e Hans Gunter Flieg (1923). São, como ele diz neste trecho, “quatro nomes paradigmáticos” da iconografia do Brasil do século XX.
Quatro nomes paradigmáticos, pois – mas não por pertencerem a uma mesma escola ou corrente, e sim por sua diversidade mesma: de origem, de estilo, de interesse, de atuação. Essa diversidade enraíza-os em seu tempo, sem contudo torná-los meramente “típicos” de nada. Como poderiam sê-lo se justamente habitaram uma época e um país que não se deixava capturar por uma fórmula única e só se deixava vislumbrar pela soma de muitos registros díspares?
Note-se, em primeiro lugar, o colorido cosmopolita do grupo, bem característico de uma época de migração e imigração: Gautherot, parisiense de origem operária e formação em arquitetura; Flieg, judeu alemão de Chemnitz, fugindo do nazismo e da guerra; Farkas, húngaro nascido em Budapeste no seio de comerciantes judeus de material fotográfico; e Medeiros, brasileiro nato, instalado no Rio de Janeiro mas proveniente de um estado pobre e sem maior tradição artística.
A essa diversidade de origem soma-se o viés de cada um ao perseguir seus temas de eleição em âmbitos profissionais muito distintos: Medeiros é o fotojornalista por excelência, aprende o ofício no dia-a-dia das redações cariocas e vive em estado de alerta mundano e humano, ao passo que Farkas, livre de maiores preocupações materiais, é o mais “artista”, o mais “vanguardista” do grupo, interessando-se desde muito jovem pela fotografia como linguagem, como jogo, como obra que se expõe em galerias ou museus; único dos quatro a estabelecer um estúdio fotográfico, Flieg constrói para si uma imagem de profissional, de prestador de serviços para clientes quase sempre industriais, na direção contrária à de Gautherot, sujeito nômade, de simpatias à esquerda, dono de um tino formal oriundo do trato com a arquitetura moderna, mas sempre interessado no processo de formação nacional que tem a ocasião de testemunhar e para o qual pensa contribuir, colaborando com diversos órgãos e iniciativas do Estado.
O resultado, como se verá, é de grande variedade formal e estilística – mas também de enorme riqueza como registro documental de um país vasto e contraditório. O elenco de temas é de pasmar: paisagens intocadas na Amazônia, fábricas e usinas, religiões africanas, futebol e carnaval, estátuas e igrejas barrocas, ferramentas mecânicas, festejos populares no campo, glamour mundano e cosmopolita nas cidades, tribos indígenas no Centro-Oeste, edifícios modernistas em São Paulo e no Rio de Janeiro, sem falar na nova capital, Brasília – tudo isso sob o mesmo sol, aspirando a integrar contemporaneamente um “retrato do Brasil” que entretanto nunca chega a se perfazer, uma vez que nunca se deixa fixar sob uma definição única de identidade ou de modernidade.
José Medeiros. A pedra da Gávea, o morro Dois Irmãos e as praias de Ipanema e do Leblon, Rio de Janeiro, 1952
Thomaz Farkas. Populares sobre cobertura do palácio do Congresso Nacional no dia da inauguração de Brasília, 21 de abril de 1960
Marcel Gautherot. Festa do Guerreiro, Alagoas, c. 1943