Aquarela do Brasil punk

Fotografia

05.05.16

Provocados pela pergunta ‘Que Brasil é esse que você acaba de ver?’, 120 dos mais de 6 mil visitantes contabilizados no primeiro mês em cartaz da exposição Modernidades fotográficas, 1940-1964 responderam à enquete com um misto de admiração e melancolia. Resumindo os sentimentos mais comuns expressos nos formulários redigidos à mão e depositados em urna colocada na saída da galeria Marc Ferrez, no IMS-RJ, o público viu na mostra “o país do futuro que nunca chega”, “que não volta”, “que não existe mais”.

Com o Brasil atual mergulhado em um poço de desencantos e amarguras, o brasileiro olha pelo retrovisor da crise para o país documentado por quatro mestres do acervo fotográfico do IMS – Marcel Gautherot, José Medeiros, Thomaz Farkas e Hans Gunter Flieg – entre orgulhoso do passado e frustrado com o futuro que lá se anunciava. Fica a impressão de um país meio samba exaltação, meio heavy metal, por vezes desafinado na maneira de pensar em si próprio. Há indícios de saudades de um paraíso que nunca existiu.

Modernidades fotográficas, 1940-1964 é um retrato muito especial do país em um período de rápida e contraditória transformação, o que leva o público da mostra inevitavelmente a refletir sobre o ponto a que chegamos.

Com curadoria de Samuel Titan Jr. e Ludger Derenthal, a exposição chegou ao Rio no dia 20 de março eleita uma das cinco melhores do mundo para serem visitadas, após temporadas de sucesso em museus de Berlim, Lisboa, Paris e Madri. Em nenhum outro lugar do mundo, entretanto, Modernidades fotográficas, 1940-1964 tem um sentido tão presente quanto no Brasil. Confira em algumas das 120 impressões sobre o país exposto na galeria Marc Ferrez até 26 de fevereiro de 2017.

Em ordem horária, do alto à esquerda, fotos de Marcel Gautherot, Hans Gunter Flieg, Thomaz Farkas e José MedeirosTodas as imagens são dos acervos do IMS

Em ordem horária, do alto à esquerda, fotos de Marcel Gautherot, Hans Gunter Flieg, Thomaz Farkas e José Medeiros

 

‘Que Brasil é esse que você acaba de ver na exposição?’

 

– “O país do futuro que nunca chega.”

 

– “Um país em desenvolvimento, com projetos e construindo-se com sua identidade própria. Hoje vejo um país em regressão, com poucas perspectivas, ou melhor, pouco otimismo.”

 

– “Um Brasil em que a esperança era maior do que os problemas, embora estes fossem muitos.”

 

– “Um país que não volta mais. Um país mulato, moreno, pé no chão (…). Nossa história no seu povo humilde, tímido, sincero, verdadeiro. Parece que tudo era real e hoje é um teatro.”

 

– “Um país que tinha anseios de crescer e prosperar. Com profundas desigualdades sociais. Ainda somos o mesmo país, com menos esperança, talvez.”

 

– “Um país em construção, um país de quando os brasileiros sonhavam com um mundo melhor.”

 

– “É o Brasil efervescente, abrindo-se para uma ‘modernidade’ fotográfica, estética, industrial, mostrando aos brasileiros o seu Brasil.”

 

– “Um país ainda hoje em mutação: involutiva e/ou desenvolvimentista.”

 

– “Um Brasil em processo de reinvenção e recriação.”

 

– “Um país rico em cultura e que pouco a explora. Um país com muito potencial e marginalizado, assim como muitos de seus atuais habitantes.”

 

– “O mesmo país que vive questões similares até hoje. Trágico pensar na nossa ‘evolução’.”

 

– “Pindorama, Terra Brasilis, Brasil, o querido Brasil. Escolhido por Deus para ser o mais rico. Escolhido pelos homens para ser o mais sacaneado.”

 

– “Um país em transformação que, pelo que estamos vendo nos dias atuais, continua rodando e se transformando até hoje. Porém, infelizmente, a cultura dos índios foi rechaçada e abandonada, o que nos causou uma perda inestimável. As ervas, curas e tradições indígenas se perderam com o capitalismo feroz, imprudente e sem consequência, minto, com uma consequência inconsequente.”

 

Modernidades fotográficas na galeria Marc Ferrez do IMS-RJFoto de Ailton da Silva

Modernidades fotográficas na galeria Marc Ferrez do IMS-RJ

 

– “Um país maravilhoso, onde a beleza e o olhar se sobrepõem ao caos (ou dele se originam?!)”

 

– “Um país de palmeiras onde cantam os sabiás, de exploração e acalento. País de difícil nomeações categóricas, país de muitos países.”

 

– “Vejo um recorte do Brasil, um Brasil sem a brasilidade ou influências externas.”

 

– “Um país cheio de humanidade e emoção. Precário, sofisticado, requintado. Todas as vezes em preto e branco. País do talento e da precisão.”

 

– “Um país de raízes, cultura e influência europeia em constante processo desenvolvimentista.”

 

– “Um país muito diverso do que conhecemos. Aparentemente, mais harmônico, humano e feliz. Saudades de um tempo que não vivi/conheci.”

 

– “Um país de dimensões continentais. Tantas histórias, tantas memórias. Um país que apesar de tudo sonhava, um país com esperança, com o olhar no futuro e os pés no presente.”

 

– “Meu Brasil brasileiro do mulato inzoneiro, do índio não aculturado, do branco trabalhador, das transformações arquitetônicas. Tudo isso visto e documentado pelos olhos e lentes sensíveis de grandes fotógrafos.”

 

– “Um país que tinha de tudo para se tornar uma potência mundial: povo trabalhador, alegre; recursos naturais. E tudo se perdeu.”

 

– “Um Brasil com identidade, antes do massacre cultural e afetivo sofrido com a ditadura.”

 

– “É um país no limiar da industrialização e ainda virgem no seu interior.”

 

– “Um Brasil com estilo, humano, verdadeiro, autêntico, genuíno.”

 

 

– “Um país com muitas disparidades, mas que sonhava com o desenvolvimento, acreditando ingenuamente que o moderno é o futuro.”

 

– “É o país que conheci, mas que dificilmente posso reencontrar dadas as atuais circunstâncias.”

 

– “Ver o Brasil, admirar, conhecer… Tudo isso é arte que não tem começo nem fim. Apesar suas fronteiras, de suas limitações, o Brasil é sempre. Não há forma de negar, porque não é possível não sentir. País pulsa gente que pulsa sonho. Sonho do povo pulsando na rua. Coisa vibrante, preta, potente. Brasil é potência a se desvendar, Eu gosto. E vivo!”

 

– “Um país que se revela em seus recortes, sua arquitetura, suas crenças, seus costumes, seu povo.”

 

– “Um país focado em expansão industrial, territorial e econômica sem a menor interconexão com a sustentabilidade e ecologia, conceitos que só viriam a ser pensados após termos em vista as consequências de tais expansões.”

 

– “Um Brasil com muitas indústrias e desenvolvimento político, diferente do país mergulhado em crise que temos agora. Mas com praia, futebol e samba, isso nunca perderemos.”

 

– “Um país cujas contradições encontram-se em seu auge, esgarçadas e expostas. Um país que sonhava e avançava rumo ao futuro sem tratar de no presente encarar as conseqüências de seu passado agrário, escravocrata e colonialista.”

 

– “Apesar de desvinculada da questão do meio ambiente, pois na época não havia este olhar, a arte fotográfica e jornalística é maravilhosa. É uma pena que não temos – com raras exceções como Evandro Teixeira e Sebastião Salgado – fotógrafos e jornalistas com a mesma garra desses da exposição.”

 

– “Um país em conflito com sua própria identidade, enredado no segmento de parâmetros estrangeiros quanto ao modo de vida e ao de pensar. É, em suma, o retrato de um país em crise, motivado pela farsa de um progresso ditado de fora para dentro. Mesmo hoje, os rastros dessa rápida e contraditória transformação permanecem, seja nas periferias, seja no discurso de muitos no dia a dia.”

 

– “Vi um turbilhão de tipos das mais diferentes tribos . Indivíduos formadores de uma cultura rica em costumes e crenças diversas. (…) Um povo sofrido, mas poderoso. O meu Brasil que me encanta e me emociona  por cada um de seus cantos. Um Brasil outrora cantando em versos e trovas por suas belezas. Como eu ainda tenho esperança de vê-lo voltara cantar seus hinos e ver suas matas voltarem a se encher de pássaros, assim como nas fotos dos tempos idos.”

 

– “Um país pré-golpe.”

 

– “É o Brasil num período fantástico de evolução.”

 

– “O Brasil procurando seu autoconhecimento, formando sua identidade cultural através da integração territorial e encontro com sua própria diversidade.”

 

– “É um país que não existe mais.”

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