Na Casa do IMS em Paraty tudo começava com a exposição do fotógrafo americano David Drew Zingg, cujo arquivo de aproximadamente 150 mil fotos está sob a guarda da instituição. Retratos dos grandes da música popular brasileira foram introduzidos por Pixinguinha, que, à entrada da Casa, ladeava o texto de apresentação do curador, Paulo Roberto Pires. “Zingg!” foi como Paulo batizou a mostra.
Muita gente suspirou diante da foto que reunia um sexteto composto, entre outros, por Chico Buarque e Caetano Veloso. Entre retratos de outros bambas, Vinicius de Moraes assistiu a tudo o que aconteceu na Casa da Rua do Comércio, 13. Adorou ouvir Paulão 7 Cordas cantar sambas da Portela no show que aconteceu de quinta a sábado.
Foi num desses shows que vivi uma experiência esquisita: eu me sentei num banquinho a uma distância de mais ou menos oito metros, em diagonal, do retrato de Vinicius. O poetinha está com um olhar curioso, como se, num movimento brusco, se virasse para procurar alguém. Zingg! Em segundo plano, Tom Jobim, mas é Vinicius quem busca e quem parece se lançar da moldura e se integrar à pequena multidão que toma conta da Casa. A foto ficava num corredor por onde passavam pessoas que vinham do café ou chá servido no balcão de uma cozinha simpática. Uns apenas passavam, outros se recostavam nas paredes, sempre que achavam espaço entre uma foto e outra. Foi num momento desses que me virei e vi Vinicius entre os visitantes, tão atento quanto eles. No retrato, seu rosto tem o tamanho natural, o que o colocava à vontade no meio de tanta gente e, por duas vezes, me confundiu. Zingg!, me espantei, Vinicius está aqui. Não pude deixar de rir sozinha quando a experiência se repetiu em outro momento. E não fui só eu. Vinicius mesmo se divertiu tanto com o susto que me deu que – acredite quem quiser – se contentou com o café e chá, deliciosos, planejados com a delicadeza e o cuidado de Marília Scalzo, a pessoa mais Zingg! que conheço: não perde o bom humor e a calma por nada nesse mundo. E, com a super Zingg! Nathalia Pazini, é imbatível na organização de tudo o que aconteceu ali.
Houve, na Casa, momentos daqueles que a gente tem o privilégio de viver. Um deles foi testemunhar a alegria serena de Nelson Pereira dos Santos assistir, ao lado de Eduardo Coutinho, ao documentário sobre a história de Vidas secas, o filme, de 1963, que este ano se torna cinquentenário (veja aqui um vídeo dos dois cineastas na Casa nessa noite). Se, para nós, é emocionante conhecer os bastidores desse extraordinário trabalho de Nelson, não é difícil imaginar o quanto toca ao velho diretor relembrar episódios que ocorreram durante as filmagens, assim como a repercussão do filme dentro e fora do Brasil.
Os olhos de Nelson Pereira dos Santos brilharam, úmidos, quando Flávio Pinheiro leu um trecho do que escreveu Otto Lara Resende a respeito do filme. Pescado por José Carlos Avellar, o trecho é este:
Saio de Vidas secas com a convicção de que esse filme, sozinho, funda e justifica uma nação. O Brasil está enfim, descoberto. E o Nordeste passa a ser um problema na consciência universal. É uma obra-prima.
Outro momento especial foi quando Chico Alvim e Zuca Sardan, o fabuloso Zuca Sardan, conversaram no palco da Casa. Eu já tinha constatado, na longa conversa dos dois, na Tenda do Telão, que eles não envelheceram. Não falam do passado, ou melhor, falam, só falam, e permanecem nele, no melhor sentido. Nada de nostalgia. São irreverentes do mesmo jeito, divertidos, riem das mesas coisas, recitam os mesmos versos com o mesmo espírito. Zingg!
Virou tradição eleger-se uma musa (ou um “muso”) da Flip. Parece que é consenso: este ano foi a franco-iraniana Lila Azam Zanganeh, que conversou com Samuel Titan na Casa, lotada de admiradores que, não satisfeitos com o que tinham visto na Tenda dos Autores, queriam mais. E ela continuou, generosa, conversando com Samuel sobre a felicidade na obra de Nabokov. Elegante e charmosíssima, Lila, sentada, e de tanto querer se aproximar da plateia, se projetava para a frente, como se quisesse tocar as pessoas fisicamente. Zingg!
Tudo bem, ela foi a musa, mas Alice Sant’Anna não brilhou menos nas mesas, nas entrevistas, nos jantares, ou nas ruas ensolaradas de Paraty. Zingg! Zingg! E brilhou ao lado de Mariano Marovatto, que ostentava, com orgulho amoroso, o crachá de “acompanhante”. Casal mais Zingg!, impossível.
Fora da Casa e das tendas, apelei para Nossa Senhora das Dores na igrejinha da rua Fresca, reluzente em verde e azul, de frente para a baía e para as ilhas: “Nossa Senhora das Dores, revigorai as minhas pernas, elas não estão mais aguentando as centenárias calçadas de Paraty. Outra coisa: a senhora sabe que a Mariana Newlands podia ser minha filha, mas dai uma forcinha a ela também. Com o sobe e desce das escadas da Casa, ela se manteve firme, mas que está um bocado estropiada, isso está. Amém.”
Veja todos os posts com o que aconteceu na Casa do IMS na Flip e os áudios integrais dos encontros “Batuta na Flip”
fotografias: Mariana Newlands