Clique aqui para ver a carta anterior.
JP,
Engraçado a gente terminar essa correspondência falando de distâncias. Porque ultimamente é só disso que minha cabeça tem se ocupado. Minha distância do Brasil. A distância pro fim do meu curso. A distância entre aquilo que eu desejo e o que eu consigo fazer. E, principalmente, a distância das pessoas que eu admiro e quero bem.
Como a Chris Riera, que nos deixou precocemente semana passada. A notícia da morte dela – e como é estranho falar isso, como é difícil enfiar na cabeça que ela não está mais por aqui – foi absurda e dolorosa demais. A Chris tinha virado uma espécie de anjo da guarda da minha mudança pros EUA. Ela tinha passado pela mesma coisa que eu, e andávamos trocando emails sobre as nossas experiências – e era incrível notar como ela se mantinha serena, divertida e atenciosa, mesmo no meio de um tumulto particular de proporções inimagináveis. Não bastasse todo o talento profissional, toda a inteligência e sensibilidade, a Chris foi uma das pessoas mais generosas que eu já conheci, dessas que te olham no olho e querem que você dê certo e seja feliz. E o que é que a gente faz quando alguém assim vai embora?
Saber o quanto o mundo pode ser atroz e injusto é uma coisa; experimentar isso, por mais que não seja a primeira vez, é sempre um atropelamento, um pequeno massacre. Passei os últimos dias relendo os emails que troquei com a Chris, como se fosse conseguir extrair algo novo dali, alguma palavra que eu não pesquei, algum pensamento solto e revelador, mas agora as mensagens só me dizem uma coisa: uma pessoa esplêndida não está mais por aqui. E não tem contorção do raciocínio que dê jeito numa verdade como essa.
Enfim, meu. Que primavera difícil. Foi bom trocar essas cartas com você, mas agora não sei direito como terminar esse troço. No último dia 13 fez nove meses que eu cheguei em Chicago. Nove meses de biblioteca, de pouco sono, de correria. Nove meses de gagueira e de trem fedido. Nove meses colocando a mão pela janela e tentando adivinhar a temperatura. (Nove meses errando a temperatura). Nove meses em que, por algum instinto autodestrutivo, achei que tudo ia acabar indo pro brejo, e nada foi, nunca.
Continuo esperando a tua visita. Mas venha nas férias, quando deixo de ser um molusco e volto a ser um homem, ou algo parecido com isso. Tenho que te levar no Hopleaf, um desses bares para a eternidade, de preferência no fim de tarde, quando a multidão ainda não chegou e o balcão de madeira ganha a visita do sol. Beberemos um pint de Daisy Cutter, uma cerveja local de fazer tremer o palato, e brindaremos a nós, à Chris, a tudo o que quer que continue valendo a pena. Te cuida aí, cabrón.
Um abraço,
Chico
* Na imagem da home que ilustra esse post: um recorte de “New York movie”, de Edward Hopper.