A poesia viva – quatro perguntas a Francisco Alvim

Quatro perguntas

31.08.11

Revelado no começo dos anos 1970, em conjunto com nomes da poesia brasileira tidos como “marginais” ou, como chamou José Guilherme Merquior, os “pós-vanguardistas”, como Cacaso e Ana Cristina Cesar, o poeta mineiro Francisco Alvim, de 73 anos, lançou recentemente o livro O metro nenhum. Vencedor do Prêmio Jabuti em duas ocasiões, em 1981 com o livro Passatempo e outros poemas, e em 2000 com Poesia reunida, o poeta manteve desde sempre em paralelo uma carreira de diplomata. Em quatro perguntas respondidas ao blog do ims, o autor falou do seu processo de criação, da importância da oralidade para a sua obra e sobre o que mantém a poesia viva.

Há uma questão quase inescapável no que diz respeito à poesia: a sua utilidade. W.H. Auden dizia que “a poesia não faz nada acontecer”; mercadologicamente ela é pouco importante. O que mantem, para o senhor, a poesia viva?

Uma convicção: a de que só a poesia pode e sabe exprimir certas coisas.

No começo dos anos 1970, o senhor estreitou relações com os poetas de uma geração que ficou conhecida como “marginal” e que tinha autores como Ana Cristina Cesar, Cacaso e Nicolas Behr. O senhor ainda se vê como parte dessa espécie de movimento ou consegue enxergar um distanciamento em relação ao ponto de partida com o passar dos anos?
Continuo aprendendo, convivendo, com eles. O caminho é inevitável: caminhamos todos, cada um seguiu sua própria trilha, trilha que aliás já estavam lá no início, o que tira dessa poesia o caráter de movimento, que de fato não teve. Quem sabe tenha sido mais uma maneira, um jeito, de fazer poesia num período bastante opressivo de nossa história. O sentido de companhia permanece, que reconheço na leitura sempre renovada que faço deles, que talvez os traga até para mais perto por estar longe do fragor daqueles tempos.

O metro nenhum se guia – como de resto, a obra do senhor – pela busca de uma simplicidade na linguagem que revela um olhar muito apurado para a linguagem das ruas, a investigação de fatos comezinhos.
Com efeito, certas falas e certos fatos que poderiam ser chamados comezinhos estão presentes em muitos de meus poemas. Escuto e procuro fazer com que essas falas sejam ouvidas e os fatos apreendidos em sua complexa significação. Por outro lado, a oralidade para mim é fundamental na construção do poema. Construção aí significa a recorrência a uma teia de elementos que essa oralidade exprime e de cuja combinatória vai resultar o poema. Atribuo ao ritmo à condição de elemento central, em torno do qual se organizam os meus poemas, tomados não apenas isoladamente mas no conjunto que forma o livro. O ritmo não está apenas na sua materialidade sonora, ele se prolonga além, nos cortes de espaço e tempo, na mistura que faz dessas duas unidades.

Como é o processo de criação do senhor? Envolve anotações, cadernos ou apenas a memória do que pode vir a ser um poema?
São muitos os modos. Há dois mais evidentes. O primeiro é o do poema que se anuncia como poema. Ele se apresenta com um verso, ou conjunto de versos, que pedem um desenvolvimento compassado, tradicional. O segundo é o que decorre das anotações ou lembranças que a memória se esforça por guardar. Estas estabelecem uma espécie de confronto: exibem-se de peito aberto para receber os flechaços que lhes vou desferindo a distância; nada de proximidades, de falsas intimidades, porque a imperfeição da matéria que as conforma exige um trato prudente. Algumas dessas investidas são aparentemente bem-sucedidas, e suponho que o poema chegue à existência, mas a imensa maioria fica pelo caminho.

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