Clique aqui para ler texto de Flávio Pinheiro também sobre Daniel Piza publicado no blog.
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Há algumas palavras que quase não se veem, raramente se escutam, parecem ter existido antes para depois não se mostrarem mais presentes. Deixam de maneira lenta e silenciosa, ou repentina e ruidosa, de pertencer a uma experiência comum repartida entre aqueles que nelas encontraram um significado, um desafio, uma explicação, a possibilidade da tradução de um sentimento misterioso, inexplicável mesmo para aquele que sente. Assim como as pessoas, uma hora está. No instante seguinte, resta apenas a ausência. Panegírico é uma palavra assim. Trata-se de um discurso, de uma louvação, a homenagem pública a alguém ou a algo. É geralmente aquilo que os vivos decidem realizar quando estão diante da evidência concreta da morte. O Panegírico é o elogio. Não raramente, o último elogio. E talvez mais. Sua missão, sua natureza, supera o elogio, porque mesmo o elogio permite a contradição, o contraponto infeliz na existência de alguém e do personagem desse mesmo alguém. Um ato supremo de hipocrisia, então? Possivelmente, sim. Mas não é essa a sua verdade. O panegírico exige que se pense uma ação pelo ponto de vista daquele que agiu. O que se procura é uma essência. Daniel Piza, morto no dia 30 de dezembro de 2011, deixa a mulher Renata e os filhos Leticia, Maria Clara e Bernardo. É assim que os obituários expõem o fato. Essa é uma essência. Diante dessa essência, um panegírico, a que isso serve?
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Algumas coisas que você não sabe sobre D.P.
* Preferia Blur a Oasis.
* Sobre Elvis Costello, a segunda fase valeria mais do que a primeira.
* O texto deveria ser dito, mesmo quando escrito.
* A juventude era uma questão a ser resolvida. Assim como a nostalgia.
* Viajar era essência de algo maior.
Mais uma vez, a essência.
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Algumas coisas que você não saberá jamais sobre D.P.
* O futuro, o que traria?
* O tempo, o que traria?
* A história, o que traria?
* Os dias, com eles, o que faria?
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Ao menos para o Brasil e os brasileiros, o futebol tem sido um campo privilegiado para as mais inimagináveis metáforas. O jogo é usado para explicar o andamento da história nacional, as estratégias de sobrevivência afetiva entre casais, as escolhas políticas do eleitor ou mesmo a mortalidade, porque o relógio não para e sempre haverá cedo ou tarde o encerramento da partida. Esses são apenas alguns casos, entre tantas outras ideias e comparações mais ou menos nobres nas quais o jogo se apresenta como mais que um jogo. A tentação para se fazer uso do esporte dessa forma (muitas vezes esquecendo o risco do ridículo) parece ser imensa. Aqui, nesta situação, diante de um susto, de um corte repentino de uma vida, no panegírico, Ronaldo, o jogador, não oferece uma metáfora, mas o resumo preciso diante da tragédia do acaso: “Nós perdemos porque não vencemos”.
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“Toda a minha vida sempre vi tempos inquietos, tumultos extremos na sociedade, e imensas destruições; entrei nessas desordens. E tais circunstâncias certamente bastariam para impedir que o mais transparente dos meus atos ou raciocínios se visse aprovado universalmente, fosse onde fosse. Ademais, assim o creio, alguns terão sido mal compreendidos.” Guy Debord. Panégyrique. Éditions Gérard Lebovici, 1989.
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Lucio Battisti foi um músico italiano. Um ídolo nacional cercado por vários rumores e algumas lendas. Algumas boas, outras diferentes disso. Na canção “Per una Lira”, escreve: “Mas se penso que você é um bom amigo/ não digo isso a você, não/ melhor para você/ melhor para você” (Ma se penso che/ tu sei un buon amico/
non te lo dico, no/ meglio per te/ meglio per te).
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A amizade, não importa a trajetória, o drama ou a felicidade, a ausência ou a permanência, a justiça ou injustiça, a disputa ou a pacificação, o abraço ou o afastamento será um lugar do qual nunca se retorna. Ela permanece na memória. Seu motor é a lembrança.
* Marcelo Rezende é jornalista e autor do romance Arno Schmidt (Planeta, 2005) e do ensaio Ciência do sonho: A imaginação sem fim do diretor Michel Gondry (Alameda, 2005)