Mesmo quem não é aficionado por arquitetura vai se emocionar com este filme postado recentemente no YouTube: um registro de quase meia hora, feito por László Moholy-Nagy, dos grandes mestres da arquitetura moderna reunidos num cruzeiro pelo Mediterrâneo no verão de 1933.
O filme documenta um dos mais emblemáticos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (Ciam), realizado de 29 de julho a 31 de agosto – sim, mais de um mês – a bordo de um navio que sai de Marselha e faz uma viagem de ida e volta a Atenas. Até onde se sabe, trata-se de um registro audiovisual único desse período áureo do Ciam. O que já seria motivo suficiente para vê-lo. Mas o ex-professor da Bauhaus (então recém-fechada por ordem nazista) não se limita ao mero registro das discussões arquitetônicas e flagra os arquitetos organizando os painéis de projetos, dormindo no deque do navio, correndo na areia, sendo recepcionados com um banho de luz na Acrópole de Atenas. De vez em quando a câmera desvia para seguir uma gaivota, as ondas do mar, o giro de um moinho.
Um dos trechos mais bonitos é a travessia do Canal de Corinto, em que a câmera quase toca a rocha. E há ainda o Partenon, o Ereteu, as casas e gentes de Egina, Santorini, Sérifo, Ios. O que torna o documento ainda mais fascinante, em todo caso, é a respiração que ele confere à instituição mais doutrinária da arquitetura moderna. Mesmo que o filme seja mudo, quase podemos ouvir Le Corbusier em sua defesa apaixonada da cidade funcionalista para um grupo que se amontoa como pode para escutá-lo. É fácil reconhecê-lo: óculos de aros grossos e redondos, cabelos para trás, camisa social clara e gravata estampada, cigarro na boca. Bem mais difícil é identificar as mulheres – nem todas arquitetas, supõe-se, até porque neste Ciam também as esposas dos arquitetos foram aceitas.
Retrato de László Moholy-Nagy
Os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna foram criados em 1928 e existiram regularmente – com um intervalo durante a guerra – até final dos anos 1950. Seu objetivo fundamental era reunir arquitetos do mundo todo que compartilhassem os mesmos ideais e a mesma confiança na capacidade de renovação radical da sociedade por meio da arquitetura. E ao mesmo tempo servisse como um canal de promoção e disseminação de um conjunto de princípios projetuais e estéticos validados como universais.
A “Carta de Atenas” – documento-síntese dos princípios do urbanismo funcionalista moderno – é fruto exatamente do congresso de 1933, o quarto Ciam. Foi a bordo do “SS Patris II” que um grupo de cerca de cem arquitetos e interessados em arquitetura, de várias nacionalidades distintas, definiu em linhas gerais os princípios básicos que levariam à prática – hoje altamente condenada por sua rigidez – da setorização da cidade segundo quatro funções básicas: habitar, trabalhar, cultivar o corpo e o espírito e circular.
A versão mais conhecida da Carta foi publicada por Le Corbusier dez anos depois, já em plena guerra. E tornou-se, como se sabe, uma das bases de Lucio Costa na concepção urbanística de Brasília, já no final da década de 1950.
Ao ver o filme de Mohloy-Nagy hoje, não podemos deixar de levar em conta que naquele navio com representantes de 16 países, falando 11 línguas distintas, não há registro de nenhum arquiteto ou representante brasileiro. Além de Le Corbusier, havia grandes nomes como Siegfried Giedion, Pierre Chareau, Charlotte Perriand, Josep Luis Sert, Fernand Léger, Christian Zervos. E um só estudante: o espanhol Antonio Bonet, que pouco mais tarde se radicaria na Argentina e no Uruguai, e desenvolveria projetos também no Brasil. Mas um olhar atento talvez reconheça na primeira fila da apresentação do presidente Cornelis van Eesteren um jovem tomando notas. É Pietro Maria Bardi, que está ali como membro da delegação italiana e editor da revista “Quadrante”. E ainda sem Lina, como se vê.