Abrir os olhos no escuro
Bernardo Carvalho
25.09.14
Um jovem escritor norte-americano afirmou que abandona um livro quando percebe que o autor concorda com o niilismo do protagonista. O comentário, antes de ser uma caricatura do espírito positivo americano, é um atestado de burrice que diz muito sobre a miséria do pensamento literário de um escritor em perfeita sintonia com o seu tempo.
Sexo, religião e política
Bernardo Carvalho
10.09.14
Nos dias de hoje, a autoridade religiosa tomou a dianteira, com a disseminação dos fundamentalismos e a tentativa de impor seu valor aos descrentes. Os escritos do francês Georges Bataille (1897 - 1962), movidos pela transgressão, buscam um enfrentamento contra a religião, o conservadorismo e o beletrismo.
Rio-São Paulo
Bernardo Carvalho
27.08.14
Em uma ponte aérea Rio-São Paulo, um passageiro tenta ler, mas é bombardeado por propagandas vindas de todos os lados, de telas touch screen a recados do comandante. Nesta crônica tão atual, uma breve viagem de avião rapidamente se transforma num pesadelo movido a publicidade.
Dramaturgia do invisível
Bernardo Carvalho
30.07.14
Como Kafka, Kleist foi incompreendido por seus contemporâneos. Hoje considerada sua obra-prima, O Príncipe de Homburgo só foi publicada e encenada dez anos depois do suicídio do autor. Escolhida para abrir o Festival de Avignon, a peça de 1810 é estranhamente pertinente numa época em que a ideologia nacionalista volta para mostrar a pior de suas caras.
A violência reduzida a espasmo
Bernardo Carvalho
16.07.14
No espetáculo Archive, Arkadi Zaides reproduz com o corpo imagens de israelenses e palestinos exibidas numa tela. A coreografia convulsiva testa os limites do espectador. Ele já não pode assistir ao gesto violento com a impunidade da distância. Já não pode se compungir por meio da boa consciência politicamente correta. No mesmo dia do espetáculo em Avignon, o escritor israelense David Grossman escreveu: “A direita não venceu apenas a esquerda, ela venceu Israel”.
Ame-o ou deixe-o
Bernardo Carvalho
01.07.14
Participando de um festival literário na Bretanha, vi que, para os franceses, parece inadmissível um brasileiro não amar o Brasil, o que não deixa de ser uma forma de paternalismo. Um escritor, indignado comigo, associava o país a uma namorada. Pelo menos, foi divertidíssimo o diálogo entre o quadrinista autor de O árabe do futuro e o ex-correspondente do Libération no Oriente Médio.
Os mortos-vivos
Bernardo Carvalho
17.06.14
A arte contemporânea reitera o que o espectador já sabe ou já viu, e passa a ser uma arte da explicação e do reconhecimento, escreve Bernardo Carvalho. O espectador a entende e a acha original na medida em que a reconhece como uma ilustração mais ou menos engenhosa dos discursos que circulam no mundo. A pintura figurativa de Michaël Borremans, ao contrário, não diz, não ilustra nem explica nada. É o mundo que morre e renasce com ela.
Confissões de um autor paranoico
Bernardo Carvalho
11.06.14
A peça fala de um mundo em decomposição, estrangulado entre a crise financeira e a ascensão da extrema direita. Estreou em Bruxelas poucos dias após o atentado ao museu judaico da cidade e das eleiçõs europeias que fortaleceram a Frente Nacional, de Marine Le Pen. O autor está desconfiado de tudo, até dos aplausos.
Fim
Bernardo Carvalho
27.02.12
No recente The Angel Esmeralda, que reúne os contos de Don DeLillo publicados entre 1979 e 2011, há uma história, de 2002, inspirada na série de quinze quadros em preto e branco que Gerhard Richter pintou sobre o chamado "Outono Alemão" -- a escalada de atos terroristas que desencadeou, em 1977, uma crise sem precedentes na Alemanha do pós-guerra. A série intitula-se 18 de Outubro de 1977 e se refere à data na qual três membros da Facção do Exército Vermelho foram encontrados mortos em suas celas, na prisão de segurança máxima de Stammheim, em Stuttgart, onde cumpriam pena.
Sons inexistentes
Bernardo Carvalho
22.02.12
Todo mundo que eu conheço gostou de O artista. O que torna tanto mais difícil e constrangedor explicar para todo mundo por que acho O artista um lixo. Tem a ver com o que eu chamo de falta de autoria, que é um argumento subjetivo e em grande parte duvidoso, eu concordo, porque também não é de toda autoria que eu gosto. Não gosto, por exemplo, dos filmes de Zhang Yimou, que têm um estilo tão imediatamente reconhecível quanto os livros do Paulo Coelho ou de Danielle Steel, à sua maneira. O artista não tem autoria. E isso tampouco quer dizer que ele seja mais ou menos comercial, mais ou menos holywoodiano.